Ciclo sob epígrafe de José António Gonçalves

dois palmos de novo dia e um poema

José António Gonçalves

1. anúncio de um novo dia

desprendem-se as tranças

de um novo dia

um simples verso no corpo

das ondas

na face das rochas

e uma silhueta

ilha ao centro da ilha

medita o naufrágio

um barco que navega por entre os sentidos

na íris da última estrela

2. primeiro palmo de um novo dia

entre a estrela e a areia

o mesmo instante se revela

escorre entre os dedos

escuta

desvendam-se acordes

na brisa que passa.

3. segundo palmo de um novo dia

ao cosmos regressa-se

nada dele parte em fuga

cada caminho desenha-se

como afluente

de um supremo mistério

e entre estrofes a chave permanece

4. poema de um novo dia

a ave chega

talvez teus olhos não estejam

prenhes do seu corpo

mas ela chega

traz o cântico do mar

na boca do sol que nasce

um verso que acorda

onde antes as palavras eram sombra

escombros na memória de um homem

in "Antologia Escritas 3", Encontro de Escritas, 2006

Xavier Zarco
Enviado por Xavier Zarco em 15/09/2006
Código do texto: T241019