A PARTE QUE ME RESTA
Sou a parte do bolo que ninguém come,
A sem importância,
Onde raspam e jogam fora,
Sou a parte do corpo em que a dor consome,
O rosto em que a criança,
Ao olhar chora,
Sou a parte do dia que ninguém contempla,
As horas mortas desprezíveis,
O lado escuro da vida,
Sou as linhas de um poema, esquecidas,
As insensíveis,
Onde a rima não se assenta,
Sou os olhos horrendos do abutre,
Que voando contemplando a paisagem,
Só enxerga carne podre,
E se empanturra de carniça,
E ao voar levanta a folhagem,
Fugindo das pedradas que o seguem,
Sou as catástrofes naturais,
Embora não aceitáveis,
Muitas delas os homens criam...
Sou os poluídos mananciais,
Os lixos não perecíveis,
Que ninguém quer, mas, se adaptam,
Contudo, algumas vezes, sinto-me feliz,
Pois sempre haverá alguém que coma todo o bolo,
Sempre existe alguém ao longe olhando um pássaro,
Sempre haverá poesia para um dia infeliz,
Sempre haverá esperança depois do terremoto,
Sempre há utilidade para um lixo reciclado.