Academia e o Ó
Quero confessar-te uma coisa, é segredo, quase nada
Eu... (Psiu! Em silêncio te digo: sou desbibliografada)
Não porque queira, não porque goste
É que minha memória pra bibliografia é morte
Mesmo que eu leia Derrida, Deleuze, Roland Barthes e Michel
Pela morte da memória não fico no céu
Pela minha inconstância, paradoxalidade
Temo não ter a eles a tal fidelidade
Ó disse: “Não esquente com isso, leia o autor, dialogue, crie seu contexto”
Mas se não tenho leitura, como fica o meu texto?
Na academia só sou alguém se repetir desse ‘jeitim’
De acordo com Deleuze, Bourdieu ou até Piaget a verdade é assim, assim, assim
Sou desbibliografada, portanto sem contexto
Sendo assim, como fica meu texto?
Sem norma, sem forma, sem cor?
Por quê? Por quê escrevo sem dor?
O que quer a academia?
Que eu fique a latir, a miar?
Porque ficar a bibliografar
Pareço animal adestrado estando a copiar
É uma heresia escrever-te essas coisas depois de tanta erudição ouvida
Mas herege tem contexto, duvida?
É só uma reclamação, um desabafo, podes entender?
Crucificar a academia que fica a me prender
Tenho-lhe uma admiração, uma pontinha de inveja
Porque erudito e leitor assíduo, sua bibliografia enseja...
Não é como eu, indisciplinada, sem dobra
Que da racionalidade foge, desdobra...
Não penses que estou a te endeusar por isso, calma...
Somos diferentes, sem trauma...
Mas sem trauma, não há tensão, nem obra
Por isso fico a clamar por ela: a tal ‘dobra’
Isso exige disciplina, atenção, rigor
Coisas da racionalidade escolar que aprendi com dor
Mas eu fico a resistir, não porque queira, não porque goste
É que recorta e cola pra mim é morte
Deves estar a pensar: “Ora...não recorte nem cole, bibliografe-se e cresça
Quem sabe assim, seu contexto floresça”
Te respondo: “Ok, vou tentar, vou ler e me bibliografar
Porque é isso que quer para bem me avaliar
Opa! Esqueci de uma coisa, terminei meus créditos, não preciso dessa nota, estas a entender?
Estou aqui sem objetivo, era só pra aprender...
Nesse paradoxo, nas aulas...fiquei embriagada
Porque mesmo sem bibliografar, o cérebro divaga...
(Um abraço a você Jorge, pelas maravilhosas aulas na semana... foi um jeito de agradecer)
*Poesia dedicada a Jorge Ramos do Ó, professor português, com ele tive a melhor semana pedagógica em se tratando de aula, que me lembro.
Isabel Cristina Rodrigues, 08 de maio de 2009.