Para acalmar tempestade
Perdão por inspirar-me n'outro poema.
Perdão pelas nevralgias;
pelas orgias imaginárias;
pelo palavrão;
pela sensualidade exacerbada.
Perdão pela paixão contida;
pela paixão incontida;
pela paixão inconfessa;
pela confissão extremada.
Perdão por roubar;
por arroubar;
por matar;
por desmatar.
Perdão pelo uso das palavras
como se enxadas fossem;
como foices.
Perdão pelo não-gostar;
pelo não-perdoar;
pelo desdenhar;
pelo desenhar de paisagem não vista em verdade.
Perdão, patrão!
Perdão, meu pai; por não tentar te amar.
Perdão, minha mãe; pela arrogância
e pela impaciência
e pela ausência dos ouvidos
e presença incólume da boca que profere
o que a cabeça pensa na dança da crença.
Perdão pelas errâncias noturnas;
pelos mergulhos nas valas podres.
Perdão pelas cicatrizes mal curadas;
pela navalha da boca;
pelo coração de margarina;
pela retaliação a cada ingênua investida
dos insensatos, como eu, em minha vida de insensato cão;
pelas ruínas de Gilgamesh em meu Gênesis.
E por falar em religião; perdão!
Perdão por crer em tão pouco;
por tão pouco saber;
sabe quem por saber demais:
mais do que se precisa –
precisa é a pedra
e não preciso é o verbo
que ecoa e aglomera-se em sofisticados cacos
(mas, ainda assim, cacos) de cultura;
cultura como teias neo-paleolíticas.
Perdão pela vida cuneiforme;
pela vida mínima –
vidinha; como diriam as madames.
Perdão por não ter ajustado o uniforme;
mas também por não ter
cantado “Imagine” em passeatas.
Perdão:
pelo protocolo quebrado;
pelo copo quebrado;
pela queda de braço com a farsa;
pela quebra do homem de argila;
por tirar Jonas da barriga do peixe;
por não ordenhar a montanha.
Perdão a este pobre cão
pela escarrada inspiração;
pela falsa inspiração;
pela transcrição.
Perdão, mãe!
Perdão, meu pai!
Perdão, crianças!