GUARU-JÁ !

Pontas de areia,

concreto e penínsulas.

Gritos nas noites

açoites e mandíbulas.

Capitanias, favelas e mazelas

hereditárias.

De Pero apenas espero

ser seu donatário

deste mundo de areia,

água e sal...

Ilha

filha de muitas serras

dor que habita

no coração desta terra

com a Alma quieta

cálida e calada

marcada...

Não quero pra ontem

o brilho da pérola

preciso dele agora:

nácar opaco

calcárea forma

em ostra de pedra e mar,

céu azul e água morna...

Preciso pra hoje

o brilho do sossego

a certeza da chegada

quando parto no cais

porque não quero mais

mas quero tudo

que sempre me pertenceu:

Ondas de alegria,

matas que não matam

conchas de esperança,

velhos e crianças...

Quero agora

preciso desta hora

sem mais esperar.

Quero Já,

de volta,

Guaru-Já !

MEMORIAL JUSTIFICATIVO

Poema: Guaru-já

Autor: Marcelo Lopes

A História registra que foi Oscar Niemeyer que primeiramente propôs o seguinte termo: “Toda obra, de concreto ou de papel deve ter um Memorial Justificativo, para que todos possam ver a obra de duas maneiras distintas: A própria visão pessoal e a visão do criador, para que, num meio-termo, possam entendê-la na sua amplitude”. Baseado nesta afirmativa de um artista pleno como Niemeyer, quero apresentar à V.Sas. idealizadores do Concurso Aberto de Poesias de Guarujá, este Memorial, a fim de que possamos dar uma amplitude maior à obra aqui comentada.

O poema trabalha com a desconstrução das frases com o objetivo de criar um ambiente caótico, provocando a releitura do texto e consequente reflexão, também usando poucas preposições e palavras ligadas umas às outras, como na poesia de origem árabe, tão bem exemplificada na canção “Águas de Março” do saudoso Tom Jobim.

As comparações entre o passado e o atual formam a metalinguagem, trazendo uma sensação de progresso histórico nas palavras “Pontas de areia, concreto e penínsulas...” onde havia areia, hoje há concreto, porém, sempre haverá a Península, apenas para citar um exemplo e o uso de palavras semelhantes, com apenas a mudança de um acento ortográfico ou uma letra, mas que são díspares, fazem com que o ouvinte se confunda (“De Pero apenas espero...” [Pero Lopes de Souza, 1o. Donatário da Capitania de Santo Amaro, em nossa região ] ) mas que enriquece o poema quando é apenas lido, não somento ouvido.

Também são usadas como metáforas as palavras Alma (que representa a população da cidade) e ostra ( a própria cidade), onde o brilho da pérola é a qualidade de vida perdida na chamada Pérola do Atlântico, pois não temos nem mesmo a “certeza da chegada quando parto do cais”. Porém, mais do que uma mensagem pessimista ou melancólica, quero ressaltar de que não precisamos de nada novo, nada que venha revolucionar, mas sim, precisamos de uma “involução” para aquilo que sempre foi nosso: o dia-a-dia de trabalho, as praias limpas, a segurança de viver em paz, que sempre nos pertenceu, mas a violência dos dias atuais usurpou esta nossa qualidade de vida.

Finalmente, para o arremate do poema, usa-se a rima de frase inteira, dada a semelhança das palavras “Quero já /Guaru-já” em forma de imperativo a fim de transmitir a urgência das mudanças, ou, como se conta no poema, da volta ao passado, tranquilo e feliz.

Marcelo Lopes
Enviado por Marcelo Lopes em 09/06/2005
Reeditado em 10/06/2005
Código do texto: T23464
Classificação de conteúdo: seguro