fado

noite fria

oh lua mãe

de mil fados inacabados

flamencos

nascimentos forçados

abortos de luz de falsos mins

e os dedos dos músicos

e os corpos dos dançarinos

são pela lua fria possuídos

encontrar na voz da noite

e no silêncio das coisas caladas

a voz amiga que se almeja

os destinos dos dançarinos

e dos trabalhadores

dos pedreiros

dos professores

da madeira dos instrumentos

dos parênteses do pensar

dos dias esperançosos

pra acabar na noite

na noite da grande lua fria

nas vozes silenciadas

daqueles que amam torto

dos que sangram sangue incolor

na ininterrupta tristeza

na intermitente alegria

e no dia

da vitória mansa do corpo

a luta da tão breve vida

poderá, quiçá, nos recompensar

a dor dessa vida única

que gostaria de ser duas

sejam poderosos nossos dias

e nosso corpo o igual do dia

o pacto dos pés e olhos com o dia

a tempestade não nos abalará

seja ela pra nós

chuva fina em slow-motion

a vida

fado em tom menor

nossa angústia de carona

ao lado do motorista

assistindo ao girar medonho

da seta do velocímetro

música, estrada, lua

fado avassalador

nossas lágrimas breves

na tempestade em slow-motion

coração em presídio de segurança máxima

protegido com carinhos e amores

numa cela.