A APOSENTADORIA DA TV
Quando a televisão se cala
Na sala
Até o sofá fala
tira proza com as almofadas
bordadas com lindos motivos
de tons vivos e coloridos
floridos
De rara beleza
A mesa se revela engraçada
Faz piada com a cadeira
de madeira
Que sem timidez
na maior desfaçatez
se enrosca
e roça a perna por debaixo da toalha
Saia que veste a sua nudez
De vez
Por todo canto da casa
A descontração se instala
O tapete da sala de jantar
querendo competir com a mesa
teima em cantar
para conquistar a cadeira
que faceira se esgueira
bate o pé esperneia
machuca quem lhe anseia
se insere na brincadeira
e deixa rolar
No resto do lar
Rola solta a brincadeira
Da cozinha a chiadeira
da chaleira
avisa a todo mundo
que a água já ferveu
para quem ainda não bebeu
um café esperto
quentinho
que já começa a provocar o olfato
Ta no papo!
No quarto de dormir
a cama em sossego
também gosta do brinquedo
brinca com o travesseiro
que teima em conversar
com a camisola
que jogada
sobre a cama ainda arrumada
espera alguem perfumada
para namorar
Até a pia do banheiro
confabula com o chuveiro
querendo aproveitar
aquele momento raro
quando a casa fica em claro
e as vozes de todas as idades
chegam até eles
livres e alegres
a tagarelar
Para completar
até no outro lado da casa
la nos fundos
no mundo dos excluídos
chegam os ruídos
o barulho
da balbúrdia real
natural
da casa
que liberta do imã que a escraviza
aprisiona
brinca
grita
salta
pula como canguru
nu de toda malícia
por entre os móveis
por todo lugar
num canto qualquer
extravasando a alegria
ouvindo todos da família
cada um a contar suas aventuras
desventuras
desejos
ingratidão
longe da solidão do quarto
individualizado
disfarçado pela meia luz
que reluz e reflete no rosto
a desilusão de saber que já amanheceu
Foi assim que aconteceu
da casa ressuscitar
no dia em que a TV
resolveu se aposentar.