Poemas Cotidianos 4
FILOSOFICES SOBRE QUEM NASCEU PRIMEIRO
Em memória de Virgínius da Gama e Melo (e também das tias dele).
Um dia, na casa de Sophia,
Começara a pensar por noites e dias,
De novo,
As razões para àquele ovo
De sua vizinha galinha.
No princípio era o Verbo,
E o verbo tornara-se de novo e de novo
Aquele novo ovo imaginado por Dali,
Que refletia o brilho do povo que gerara Genival Lacerda,
Pink Floyd e Rita Lee,
E ao mesmo tempo baiões e rock’s
Dentro de sua redondíssima casca ovóide
Onde um dia dentro dela me vi sumir.
E dentro dele havia outros bigodes de Dali
Que o ovo gerara no meio do povo,
Escondidos em caras cheias de agonias,
Porque viviam a comer ovos todos os dias.
E em outros ovos
(Sem que eles soubessem disso),
Esperavam nascer futuras galinhas
Que noites e dias pensariam, ou não,
As razões dos ovos de suas vizinhas.
“Uma galinha é um recurso que um ovo usa para produzir outro ovo”,
Arriscou galo-filósofo escuso a dizer de novo,
Enquanto no ovo que ajudara a gerar a galinha
Geravam-se, sozinhas, as aflições do povo:
Opressão e medo, ódio e preconceito,
Um corte bem fundo no dedo,
Uma franginha.
Omeletes com chicletes, um volvo,
Outro ovo de galinha.
Mas na clara da noite brilhante,
Entre estrelas ovóides, distantes dias,
Podia-se ver que certos ovos
Pensavam-se outros novos
A gerar tios e tias.
- E pensar que tudo que é lua
Foi gerada nos ovos da perua!
- E pensar que toda essa bobagem é coisa Tua!
- Só pra não ter confusão nesse café filosófico –
Sugeri novamente a filha Sophia
- Que tal novos ovos com pão?
- Vou acender o fogão – disse ela, então,
E foi chamar as tias para a refeição.
Mas elas não estavam:
Estavam como Virgínius, pensando em ovos e gênios,
Cheias de livros nas mãos.
*
O PAÍS DE ALICE
Em meus exercícios vários de contenção de doidice
Faço poemas diários pras Ritas, Marias e Alices.
O País das Maravilhas não é aqui,
E agora, mais velho, foi que eu senti mais um pouco
Os efeitos do chá que me dera certo Chapeleiro Louco.
- Quando estive por ali – ele me disse aqui –
Descobri que outras Alices ainda estão por vir
A quererem saber sobre desaniversários
E sobre as poesias e prosas que escrevi para ti
A apontar caminhos das maravilhas daqui,
Às tuas correrias pra lá e pra cá,
Mudando e indo de lugar a nenhum lugar,
Onde noites e dias insistem em luzir juntos,
Como muitos que hão por aqui e vão ficar.
- E aquela lagarta sem graça,
Largada a fumar descalça sobre o cogumelo,
Perdeu todos os chinelos
E seu cachimbo não faz mais fumaça.
“A, É, I, O, U...”
Vem, Alice, senta comigo a ver agora o Cruzeiro do Sul.
O caminho é por ali e por aqui,
E eu não vou sumir feito aquele gato de botas,
De quem tanto gostas,
A te querer ver pelas costas.
Vem, Alice, teu chá está na mesa,
E tua rainha quer jogar baralho de par contigo
Contra uma baronesa e uma princesa.
“Quem é mais bonito do que eu, espelho, espelho meu:
Ela, ou o gato que a língua dela comeu”?
Com medo de perder a cabeça
Não dissera Alice ao Chapeleiro Louco
Que já tivera perdido o juízo,
Ou que nunca vira naquela ilha
Tanta doidice e maravilha.
- Mas num país sem maravilhas é assim –
Disse-lhe o Coelho Branco de tamancos, vestindo cetim
A correr atrasado contra o Juízo Final:
- Não te Aflijas, Alice: um dia verás
Como tudo foi legal.
*
NÃO IMPORTA
Para Pedro Osmar
Não importa se está cego quem enxerga.
Não lhe importa a aparência de Pateta.
Não importa se és normal ou se estás mal.
Não me importa o soldado ou o general.
Não importam os milhões ou a merreca.
Não me importa se a porta está à Berta.
Não me importa querer rima ou querer prima.
Não importa se é embaixo ou mais em cima.
Não me importa o sorriso da menina.
Não importa o salário, a secretária,
Ou a leitura de “O Fio da Navalha”.
E não me importa o sorriso do canalha.
Não importa se meu time vai perder.
Não me importa, não dá nem pra perceber.
Não importa mandar você se foder.
Não me importa o bom pra mim ou nunca ter.
Não importa beber pra esquecer.
Não me importa procurar lembrar você.
Não importa se importar não é trazer.
Não me importa se não quero mais tv.
Não importa se o que colhi eu vou comer.
Não me importa o fracasso, o prometer.
Não importam as tramóias do Poder.
Não me importa nem o sim e nem o não.
Nem me importa o livre-arbítrio da Nação.
Não me importa se o Presidente é um ladrão.
Não me importa se sou alto ou sou anão.
Não importa a agulha e o facão.
Não me importam as festas de São João
Como não importa à goiaba o mamão.
Não me importa se nosso povo é culto ou não.
Não importa ir por terra ou de avião.
Não me importa fazer o pé, fazer a mão...
Não me importa qualquer situação
Porque não importam as razões do coração.
*
NÃO SEI
Não sei por que pergunto
Se logo vou virar defunto
Sem jamais saber por quê
E ter que ser plantado semente,
Bem fundo,
Sem nunca renascer para o mundo.
Não sei por que pergunto
Se a razão de todo o vazio onde o Tudo cabe
Está no nada
E no nadar do peixe,
E a amada, afinal,
Sentir-se apaixonada
E depois ser fecundada
Pra gerar um novo tudo
Num velho nada.
Não sei por que pergunto
Se a resposta esconde-se
Atrás da porta escancarada,
Oprimida contra a parede
Que separa os mundos de trás
Dos da frente
Tornando, uns, feras,
Outros gente.
Não sei por que o mundo rodopia contente
Enquanto a corrupia pira
E corrompe o Honesto pungente
Que mora dentro da gente.
Não sei por que a menina passa
E olha-nos com graça
Dentro dos olhos
E depois nos dá uma rabissaca
Da sacada do sobrado
Achando pouco o valor
Do soldado
Que a salvará da vida
E da morte,
Levando-a para longe do sul
Em direção ao norte
A fazê-la conhecer outras terras distantes e,
Como a Beatriz de Dante,
Perguntar-se por que não saber
De todos os mistérios
Do mudo.
Por que perguntar
Se também, como Sócrates,
Em conversas com Hipócrates,
Somente sei que sobre o nada somente
Saberei?
Por que porquês em Português, Alemão ou Francês,
Se um dia vou sumir de vez?
Porque há sede de viver-Se eternamente,
Freguês,
Mesmo na forma de um demente.
Porque o Ser e o nada
São as duas cabeças de uma serpente
De asas: enquanto uma fica, a outra voa
E passa
A transformar-se em uva (e outras coisas),
De graça.
Porque você existe e aquela flor,
Que silenciosamente transpira perfume
E cor.
*
E NO ÉDEN...
Por que não só prestam homenagens a mim,
Único verdadeiro querubim a transitar desde muitos anos
Por estes cósmicos jardins
De onde brotam universos e insanos?
Fizeram-me perder memória de princípios,
Mas estou aqui desde o fim dos tempos primeiros,
Tripulante passageiro de mim mesmo
A passear entre estrelas e nuvens
A procurar lugar onde se curva, devagar,
O ponto de onde parti
P’ronde devo chegar.
E eis que encontro primordial desavisado casal
Enamorado de seres e desenganos,
Vindos de nenhum lugar, indo pra muitos anos
Na ignorância natural de quem
Nunca soube onde se esconde o Bem
E se mostra o mal.
Talvez devesse tê-los deixado a sós a desatar seus próprios nós,
Mas então descobri que o Rapaz Primordial nada sabia da Guerra,
Ou que ela era normal, e que aquela, chamada Eva,
Não conhecia ainda a erva que poderia lhe dar um momento
De medo e alegria
Em sua eterna paz celestial.
Mas então algo me dizia que eu deveria ficar quieto,
Pois certo era que Deus estava perto
A vigiar Suas crias de minhas influências
Aos lampejos dos dias passageiros
Que tornam vidas fugidias desde o céu à sob o mar,
A ensinar contar o tempo em que passariam a fazer rendas
Sem poder mais namorar.
Mas Deus em seu fundo sabia que,
Mais dia menos dia,
Mesmo sem minha impaciência,
Adão ficaria puto com a mulher que lhe tornara astuto
Ao fazê-lo comer do fruto que em certa árvore nascia.
E então, escondidos sob sorrisos,
Induzidos por serpente ninfeta,
Depois de perder guarida e pureza,
Travestidos de outra natureza,
Adão e Eva perderam a certeza
E o Paraíso.
*
OFERTAS-ME (Uma oração de Deus ao homem)
Oh, homem de outrora – e de então,
Ofertas-Me uma penitência,
Mesmo com todo rancor que há
No refrão do ribombar
Do teu coração
A te fazer pensar ser o centro
Dessa Minha composição inacabada,
Fundamentada nos embates
Entre os sins e os nãos que minam
Do coração que te anima à alegria
E à depressão,
Uma vez que tuas artes nos uniram
A fazer ruírem corações de prazer e dor,
Entre as batalhas do Ódio e do Amor,
A iluminar o Ser de relâmpagos e trovões
Anunciando fins de escuridões.
Ofertas-Me penitência, então,
Pro regozijo de teu coração banido
A ter somente pretendido saber mais
Se estás ou não fodido comigo.
Porque – como pensas –
Não és Eus, D’us, Zeus
Ou que são teus todo gado do mundo.
Somente o nada será sempre tua herança,
E mesmo quando depois de encheres a pança,
Enquanto ainda pensas ser tu somente no mundo
E que há tão somente o nada, além disso.
Porque não podes ser tudo,
Ao mesmo tempo um otário e um salafrário,
A te encantares, de soslaio,
Com as sete maravilhas dos mundos.
Ofertas-te uma penitência,
E então faz como se tua mão direita não seja esquerda,
A não confundir os caminhos por onde outros cegos Comigo
Encontrar-se-ão.
Naquele dia, tu, vesgo de ira e desgostos,
(Como se não também feito de carnes e ossos),
Obrigado por teres Me chamado “fresco”
A reconhecer o que sempre fui quando a Primavera.
Ofertas-Me uma penitência por teres-me dito ser
Filho daquela que, mal-aventurada entre homens,
Uma Puta, tornou, no entanto, aquele
Que dizias ser “teu santo Senhor” salvador
A evitar outras hecatombes.
Ofertas-Me uma penitência, oh, coitado,
Por teres me chamado tantas vezes
E Eu não ter te escutado.
Ofertas-Me uma penitência, e também a te e a teu avô,
Por não seres ainda tudo o que nunca foram
E que sempre Sou.
*
OUTONO
O vento virá inteiro desde o Princípio
Desde o primeiro mês da Criação,
Impulsionado pelo espectro-patrono
A transformar-se em frio outono.
E vocês verão o vento vindo
A levantar saias e sacudir jambeiros,
Arrancar folhas de árvores,
Frondosos coloridos sombreiros,
Que nasceram em fevereiro
Como flores de março, botões de abril,
E depois soprar todo janeiro
Em certo fundo de rio.
E então rio
Porque o outono chegou, meu sinhô,
Pra lhe tirar do aconchego do calor,
E dobrar seu espinhaço
Ao dar-lhe um fresco abraço
E fazer um vendaval
Em seu coração de aço.
*
PÂNICO
O pânico
É tempero satânico
Na panela da bruxa.
Antes eu amava Xuxa
E queria ter seus dentes brancos
De marfim,
E suas belas roupas de cetim.
Mas hoje ando com medo de mim,
Do que possa ser, do que serei fim.
Não posso dizer que só sei que nada sei,
Como um Sócrates daqui,
Porque bem sei saber descobrir
A Verdade
Entre crianças de meia idade.
*
PARA OS REIS
“Majestade, Majestade...?” –
Ecoava o nome pelo castelo
A ser dito por aqueles
Que procuravam certo rei banguela,
A esperar dele que os livrasse das potestades,
Do flagelo que certa primordial megera dama
Os trouxera.
“Majestade, Majestade...?” –
Continuavam súditos, mortos súbitos de esperança e medo
A considerar a sabedoria dos Reis
E procurar entender os por quês
De seus vermelhos sangues azuis.
“Majestade, Majestade...?” –
Perguntavam os ignorantes que queriam apreender profecias,
Saber sobre o futuro distante e suas euforias.
- Majestade, Majestades,
Ocultai-vos, Majestades;
Escondeis-vos daqueles que vos pensam de fato “reis”
A querer crucificar-vos outra vez
E transformar copos d’águas em tempestades.
Majestade, Majestades,
Evitai ir às cidades
Proclamar a outros reis que sois,
De fato, capazes,
De encarnações e caridades:
Não correis o risco de serdes interpretados como “embusteiros”
A fim de que não saiam vos chutando novamente
Teus reais traseiros.
Pavões misteriosos
Desculpem palavrões, nobres pavões misteriosos,
A tornar feios poemas, mundos maravilhosos,
E dai-me para o meu conforto santos ociosos,
Um prumo, porque estou torto, quase morto,
Como uns tantos absortos
A contar quantas penas vós ides doar
A esconder entre margaridas, no ar,
Seres produtos de abortos.
Desculpem generais, pavões misteriosos,
Destros canhotos, desses que não se fazem mais
A destroçar moça e rapaz
E aos cães raivosos dar seus ossos.
Desculpem Nossos Senhores, predadores de mistérios,
Pilotos de esvoaçantes aviões
A soltar bombas atômicas sobre cemitérios.
Desculpem se apenas sei sobre a superfície das coisas
A desconfiar da inteligência das loiras seminuas no salão,
Que torna tolo, e outras coisas, o néscio sábio babão.
Desculpem a ignorância das horas que perdi
A pretender me tornar ausente, sumir,
E não ver mais a começar apodrecerem
De repente
Meus próprios dentes da frente.
Desculpem as desculpas que vos peço, enfim.
Mas não sou homem bom nem ruim
A pretender que pavões misteriosos
Decifrem para mim
Segredos escondidos sob o nylon e o cetim.
Oh, belos pavões misteriosos,
Que passeiam misteriosas
Nos astrolábios de meus frondosos jardins:
Peço-vos o favor, generosos,
De doar-me um pouco (de novo)
A esperança que tirastes de mim.
Pois depenado estou sem tuas penas,
E tendes penas do ruim
Que há nesta terra onde medram merdas
E pedras sem fim, em vez de flores,
A causarem menos alegrias e mais dores.
Oh pavões, misteriosos mandarins:
Vede a que não vos torneis tão misteriosos aos sins.
*
PARA JESSIER QUIRINO
Quisera querer
Como Jessier Quirino quis,
Saber de coisas, feliz,
Fabricadas em Itabaiana
E sobre o que de memória
Das coisas do interior,
Que por dentro e por fora
Sabe o mestre Quirino,
Com talento e muito tino,
Nos contar com tanto ardor.
Quisera querer Quirino
Voltar aos tempos de outrora,
Onde lá em Itabaiana
Vivia a comer bananas,
E Cláudias, Dolores, Germanas,
Velhas e novas senhoras
Com perfumes de outras flores
A lhe causar um estar mal
Que só passava com um bom porre
De desodorante Mistral.
Daqueles tempos,
Tempos de sorrisinhos e som risais
A nos impedirem de vomitar as farras
De tempos atrás,
Onde jovens donzelas,
Fingindo serem elas,
Faziam-nos sonhar com cigarros
E belos carros
A conquistar corações e mazelas.
Um coração como o de Jessier,
Safenado sem querer,
Se reconhecerá sanfado
Somente pra agradar a
Zé Trovões de raios familiares,
A pretender fazer voar seus discos
Pelos ares.
Quisera querer o que Jessier Quirino quis
E então ser feliz.