Do Avô

Tenho dois pares de pensamentos

e eles nunca se igualam;

tenho dois pensamentos ímpares que nunca se

encontram:

quando procuro no fundo d'alma pequena

acho um baú de velharias que não apraz nem a qualquer mendigo.

Sou assim porque não sou assim;

Ambivalente, coscoroso, flertado e indecoroso,

passo de passo em passo

a procura de meu caminho que

lá atrás ficou

nalguma esquina de mulheres de nomes

delicados e duvidosos.- Nas casas de ventres!

Pois é sou assim: dono de uma charrete de feltro,

de um alado cavalo de nome Pávido, uma correia de couro amaciada ao sol de outono e um trilhado de pendentes que buliçam à cabeça do animal quando prôo à rua coberta de pérolas imaginárias.

Sou assim, não adianta!

O tempo já acabou e não há mais atores

para representar meu papel

de anchovas e piadas!

Se sou de vidro, já sou invisível,

se me querem, querem às custas do meu

passado que não tive, e se tive

mal tive tempo para vivê-lo.

E se o vive, não me lembro,mas

não me rendo!

E um dia rodopiou por mim como uma pluma alada

quando fui tentar segurar a mão plena da deusa encantada,mas

tinha escapado pelos galhos que brotam nesta estação

no meu jardim desfavorecido de favores maiores.

Se não quero piedade também não quero autoridade!

Se sou assim é porque moldado fui,

quando criança, por alguma fada sanzona que perdoava tudo

menos você errar.

E todo seu caminho foi de erros. Perdeu a vida nisso.

Hoje vive de barril em barril e lá de longe, vozes dizem

ardidas:

Ei, seu João não vá morrer igual ao avó seu:

mergulhado e bêbado num tonel de vinho!

E a história gargalha às minhas costas

queira você haja ou não haja e goste ou não goste!

Fui assim,

Pois quando vi o mergulho suicida

também pensei um dia:

tal pai,tal mãe,senão avós:

morre também entubulhado

na sua raiz de raro e embrulhado

que virou chacota prá minha história

prá

toda ela chorar !

Pobre avô, morrido, sem esperanças

num velho e insonoro barril,

que de tão inchado ficou aos meus olhos

que lá ficou conhecido como

o navegante dos sete mares da solidão!

Bravo irmão,

Bravo avô!

José Kappel
Enviado por José Kappel em 05/09/2006
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