COLHENDO GIRASSÓIS

Olha para minhas mãos espalmadas;

- Elas estão cheias de promessas -

Já nem sei se caberão nas suas,

Tão cheias de caminhos novos;

- Os caminhos contêm saídas

Que as mãos palmilham sigilosamente.

Meus olhos nus apenas vêm as mãos;

- Que olhos nus poderiam ver as auroras solares?

A luz do sol queima as retinas de olhares nus,

Só os poetas poderão vê-las e manter os olhos incólumes.

E u não sou poeta. Sou caminhante peregrino.

Busco a saída que lateja dentro de mim

Feito uma crença. A religião é como uma estátua granítica

Que fica à mercê da ação do tempo;

O sol, a chuva, o vento e o vandalismo

Vão lhe moldando com talhadeiras enérgicas

Delas extraindo o medo dos castigos:

- Assim a alma vai ficando mais leve, e a morte mais aceitável.

Sou de todos os tamanhos, de todas as medidas, de todos os pesos,

De todos os escombros, de todas as sombras, de todos os castigos...

Venho do nada, do branco, do vácuo, do lodo, do adultério.

Sou apenas promessas. Vãs promessas que se esvanecem a cada passo,

Desse caminho feito de suavidades, e que não ouso experimentar.

Tu vens de uma terra cheia de luz de chuvas puras, de arco-íris, de águas transparentes.

Tu és caminhos muitos onde meus pés não têm passos.

Para que duas almas possam se encantar mutuamente

Preciso é que tenham a objetiva de seus olhos

Com o mesmo diâmetro, com o mesmo alcance

E se abrindo ao mesmo tempo.

Tão importante quanto os versos que escrevemos

São os girassóis que sagaz, deveríamos colher

Nas manhãs douradas nos campos que nos cercam,

Porque a nenhum poeta é permitido viver só de sua poesia.

Há que haver no poeta uma grandeza maior que sua poesia.

Há que haver no poeta uma aventura feita de gestos generosos.

Há que haver no poeta olhos nus que possam enxergar auroras solares.

Há poetas imensos que nunca escreveram um verso sequer,

Mas que inventaram gestos onde ninguém nunca havia antes acenado.

Há poetas cujo olhar encabula o sol. Não precisam de palavras.

Quanto a ti, minha vida, se te proibirem de ir por esses caminhos

Que tuas mãos deitam sobre o meu passar,

Porque dele já colheram todas as flores,

Vá assim mesmo.

Saiba que não vieste para colher;

Vieste pra espalhar sementes.

A colheita não é tua responsabilidade.

Já não sei separar mais o que são desejos teus,

E o que são desejos meus. Deixe que os girassóis colho eu.

O que me consola é saber, no entanto,

Pelo bico doce de uma coleirinha, abençoada pelo açúcar santo,

Que veio me contar na manhãzinha desse domingo de ramos,

Que o meu poeta amado, e amado poeta que vive dentro de mim,

Além de disseminar versos marotos,

Está sempre caminhando pelo cemitério dos pobres em Sobral

- Quase nu (olhos e pele) -

Com uma cesta de girassóis dourados nas mãos

Derramando sobre túmulos toscos e abandonados

O perfume dessas flores douradas

E as distribuindo em vasos solitários.

Tomara, Deus, que seja verdade.