Neblina sobre o tear

Neblina sobe o tear

Tear pra tecer, pra ter arte.

Ter harpa, ter sopa, ter sorte.

Ter fome de viver.

Conter a alucinação do ópio.

Ter malandragem...

Saber andar em estrada torta.

- I’m a sad man really!

“…as pessoas na sala de jantar…”

“...a burguesia fede...”

A música do artista semi-popular

Me pede para ouvir

O clamor dos poetas burgueses famintos.

Fome de coração, fome de essência.

“- Passe a salada, por favor!?!”

Tear pra tecer, pra ter arte.

Ter harpa, ter sopa, ter sorte.

“...o espírito dos pássaros,

das fontes de água límpida...”

magnificamente,

sorrateiramente,

sorrindo só com um canto da boca

vem o destino,

vem o malvado.

Mas a música me traz mais uma vez –

Aliás, me leva e traz;

Na dormência do meu anti-ego involuntário;

Na cadência do pulsar meu mais que rítmico;

Este pulsar imposto por Deus a mim.

No som da FM que embebeda;

E que é quase livre;

E é onde nasce o Milton.

Estou acordado.

Estou sobre o efeito de um bicarbonato.

- Certa vez me disseram que o sêmen

tinha este sabor: de bicarbonato de sódio;

embora o cheiro fosse de água sanitária.

Particularmente, acho que o cheiro

É de terra molhada pela chuva.

Está começando a chover.

É o homem voltando ao pó.

É o homem social escravo de si.

É o homem voltando ao pó.

É o homem solteiro de vinte e poucos anos

Na madrugada de sábado para domingo,

Em casa, só.

É o homem voltando ao pó.

Ele e o bicarbonato.

É o homem só.

Catchup na veia.

É o homem só.

É a teia.

Tear pra tecer, pra ter arte.

Ter harpa, ter sopa, ter sorte.

Penso na faculdade de Letras.

Nas flácidas tetas. E o Brasil é tetra. E a paixão é tétano.

- Eu gosto de copiar;

Gosto do Mc Luhan –

A bosta do Mc Luhan.

A aldeia me catequizou, ele estava certo.

Sou um índio bobão.

Sou da tribo – mendigo cultural.

Mas sou a quem Maria ama e tateia;

Sou seu benquerer e seu sexo –

O sexo, um dos fios da teia.

Tear pra tecer, pra ter arte.

Ter harpa, ter sopa, ter sorte.

Perdi o sono e penso em Maria.

Ela é mãe de filho quase autista como eu.

Parece-me também, como eu, quase artista.

A beleza dela não é a da estátua da Vênus,

Mas ela me encanta.

Mas ela não canta pra mim...

E não insistirei para que ela cante.

Temo que ela se espante

Com esta minha obsessão pelo cantar.

Minha barba e meu canto

Me aproximam de Maria.

Maria; filha de poeta

Que lhe legou nome estrangeiro,

Mas não sabia inglês.

Entretanto,

Afinal, quem sabe a língua dos pássaros? ...

- Mas saibam que os nomes,

Assim como os sentimentos,

São intradutíveis.

Tear pra tecer, pra ter arte.

Ter harpa, ter sopa, ter sorte.

“...hei mãe, tem uns amigos tocando comigo...”

Será que há o tal espiritozinho que dá os toques?

Se me toca, não sei.

Mas há uma mulher

Mal intencionada tocando em mim.

Me tocando fundo;

Me pondo em seu mundo;

Neste rio de imaginação que me banha-

Uma teia de aranha.

Uma rede – e sou peixe.

Um feixe irrequieto de luz vermelha.

Infinita é a teia.

A alegria de Maria me alegra.

É mais alguém a quem meu coração se apega.

Não há tanto o que dizer

Se meu Português é mais ruim que o do Roberto.

Estou aberto.

E isso é bem complicado.

Complicado.

Antes dessa madrugada ter-se finda, acabada,

As estradas confundir-se-ão.

A televisão me chateia.

Complicada é a teia.

Ter cede, ter sangue.

Ter alucinógenos e soníferos.

Ter soluços e colírios.

Ter martírios e ter mar.

Mar pra acalmar: e aqui no mato não tem mar.

Ter medo. Instrumentos.

Ter Maria; um termômetro.

Uma mulher que inspire

Filosofia e trocadilhos.

Ter telas, estar na teia.

Desejo de ir a toda parte.

Saber uns pequenos segredos

De vida e de morte.

Tear pra tecer, pra ter arte.

Ter harpa, ter sopa, ter sorte.

Luciano Fortunato
Enviado por Luciano Fortunato em 04/09/2006
Código do texto: T232458