[Do que me Participa este Mundo]
Fronteira de Minas e Goiás...
Naquele tempo de esperanças incontestadas,
o monjolo trabalhando cedinho,
a tiração de leite debaixo de chuva fina e fria -
tempo bom de segurar menino na cama,
e o gato se aquentar no rabo do fogão de lenha...
Do que mais me participa este mundo...
Ah, das coisas que em criança eu vi,
e não me esqueço jamais...
Dos velhos muros de taipa, das ervas daninhas,
das flores amarelas ao sol das tardes,
das dores dos primeiros ferimentos
a me mostrar a fragilidade deste corpo,
e da primeira noção de maldade -
o criminoso que vi guardar a arma na cinta,
e deixar atrás de si, um homem exangue...
No giro do vento, rodam ao longe as lembranças,
voam as imagens, partem para o infinito,
para além das montanhas que ponteiam
o horizonte com seus cumes cinzentos...
Mas não é da velha fazenda na fronteira de Minas e Goiás,
e sim, de outro país, a ambição sonhada na juventude:
a emoção de ter sido o primeiro ser humano,
num experimento de Física Nuclear,
a desvelar uma das infinitas chaves
com que a Natureza oculta seus mistérios!
Ah, aquele sabor de chegar na frente!
E de tudo que me participa este mundo
fica-me este espanto sempre novo:
o que é o mundo... oras, não é nada,
e é tudo, tudo que nasceu com o meu
primeiro chôro, e fermentou, mudou,
deu nisto que agora vai sumir comigo...
Eu sou menos que nada...
[Penas do Desterro, 14 de junho de 2010]