[Tecendo a Manhã: Uma Cantiga na Noite]

[Memórias da Rua Olegário Maciel – Araguari – MG]

Ah, o "anjo que tece as manhãs antes de clarear" - por diabos não fui eu a escrever este verso?! Que perda... mas não tem importância não - eu sei o que vale este verso! Quando estou sofrendo muito, minha Razão vira manteiga, e eu chamo a minha mãe, e, de algum lugar do espaço-tempo que os meus conhecimentos de Física não explicam, ela vem... sinto a sua mão grande em meus cabelos... Se é um sonho terrível, vejo-a colocando-se entre mim e os demônios ameaçadores... E se estou doente, sinto o mesmo conforto de antigamente, quando, lutando sem meios, sem recursos, assim a minha mãe tecia a manhã, antes de clarear o dia:

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Estralam-me os ossos todos

enquanto, no ardor da febre,

Reviro-me nos lençóis empapados

do suor que não pára de brotar.

Na angústia da carência de meios,

minha mãe, aflita, corre,

acode com seus chás e orações.

O meu quarto recende o aroma

da infusão de folhas de laranjeira,

é um suadouro para expulsar

o mal entranhado em meu corpo.

De longe[os meus sentidos estão embotados...]

vêm os gritos alegres dos meus companheiros

que ainda brincam lá na rua;

e, como uma monótona ladainha,

ouço a cantiga de roda das meninas:

senhora dona Sanja

coberta de ouro e prata,

descubra o seu rosto

que eu quero ver sua cara...

Essa cantiga sempre me dá medo

mesmo quando eu estou são;

essa dona Sanja, que tem ouro e prata

em seu rosto.... quem seria?!

Não sei porque, mas para mim, ela é a Morte

deitada em um leito resplandecente,

e pronta para se levantar!

Agora, que estou fraco,

será que ela está vindo para me buscar?!

Não, não posso nem dormir;

se eu dormir agora, pode ser

que ela me pegue desprevenido...

E eu tenho medo de dormir pra sempre!

Como uma firme raiz à beira do abismo

que me salva de uma queda na escuridão,

a mão extremosa de minha mãe

em minha testa, conforta-me;

ela nunca deixaria essa dona Sanja me levar!

A noite segue... ouço galos cantarem longe,

mas agora, já posso sentir a febre diminuindo,

deixando o meu corpo enfraquecido.

Sob a fraca luz do pendente,

o terno sorriso de minha mãe,

reassegura-me de que ela venceu a luta

contra a tal dona Sanja e já pode,

exausta, mas tranquila, ir para o seu quarto!

Pesam-me as pálpebras... e adormeço.

[Penas do Desterro, 12 de outubro de 1998]

Da minha coletânea "Cavalos da Noite".

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 10/06/2010
Reeditado em 22/04/2012
Código do texto: T2312394
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