Sonho nativo

Quero ser livre, sem agenda, sem horários programados...

Sair da cidade grande, do barulho, de Internet povoada...

Correndo contra o relógio da ilusão, da vida e do tempo...

Sem poder sonhar, amar, ser feliz, sem tempo pra nada.

Quero reaprender os costumes e encantamentos da floresta...

Dormir em rede de juta, em volta do meu povo, sob a luz do luar...

Faceira, me enfeitar de plumas, pintar o corpo com urucum e raízes...

Tomar banho de igarapé, de rio, e na cachoeira a alma lavar.

Quero me guiar pelas estrelas, pelos raios do sol...

Caçar, pescar, comer os alimentos que a terra dá...

Plantadas pelo povo nativo da floresta, agora devastada...

Colhidas com as mãos nuas, maltratadas, sofridas, calejadas.

Quero silencio para meditar, e sonhar enquanto durmo...

Sem o fantasma do medo, de invasores e desconhecidos...

Que tiram o sossego de outrora, de vida pacata...

Que rondam nossas roças, malocas, nossos filhos.

Quero em perfeita união com amigos e parentes festejar...

No compasso marcado ao som dos tambores e maracás...

Cantoria ritmada pelas batidas fortes dos pés descalços no chão...

Quero sorrir, cantar e dançar a divina dança da chuva e da paz.

Quero que o vento me leve pra longe, quero ser livre...

E espiar do alto a fogueira, a lenha lentamente queimar...

Enquanto minha alma flutua no espaço vazio...

Me levando com certeza, pra em outras florestas nativas pousar.

Quero finalmente respirar o ar puro da selva...

Viver em harmonia com os animais em seu habitat...

Festejando cada momento, cada descoberta...

E se der tempo, no meu livro de memórias registrar.