Poemas Cotidianos 2
FORMIGAS
Às vezes fico aqui
A observar as formigas
Que vem e que vão
Sem intrigas
Sobre o corre mão da escada
A procura de nada.
Migalhas de vida a esmo,
Sem sossego,
No verão é aquela confusão
De vais e vens e antenadas
A dizer umas às outras
Onde estão os restos das ostras
E das cocadas.
Às vezes
Formigas têm asas
E aí saem do chão em brasa
Do sertão,
E voam a encontrar do mar
A direção.
Porque às vezes é bom sair de casa,
Outras vezes, não.
Enfim, ser ou não ser formiga?
Eis uma questão antiga.
*
APARECER
Quero aparecer, sim.
Mas também,
Um dia,
Quero sumir de mim.
*
AVISO
...E dirão que Eu vos amava.
Mas aí será tarde demais.
*
BURACOS
Há buracos por onde tudo entra e sai,
Há buracos que sobem, buracos que caem,
Buracos que vêm e que vão;
Buracos no chão, no pão e no grão
Que me espreita em minha palma da mão.
Há buracos negros, vermelhos talvez,
Mas só dessa vez
Enquanto penso em espelhos
Postos no chão como buracos infinitos,
Vãos por onde universos transitam entre os sins
E os nãos.
Há buracos-anões, Buracos-prisões,
Buracos-balões a enfrentar furacões esperados;
Buracos do cão danado a rodopiar desde o mais profundo céu
Ao mais profundo chão.
Há buracos cabeludos de onde cabeludas mentiras vêm
E vão.
Há buracos absurdos
Onde o absurdo se esvai;
Buracos noturnos soturnos demais
E buracos onde ninguém cai.
Há buracos por toda parte;
Destarte buracos na parte do todo
Onde se abismam estrelas.
Besteiras: há buracos no Todo, na parte,
E buracos na Arte.
*
APELAÇÃO
Vê se acorda, animal,
Pois é hora de tu ser quem és,
Não essa besta-fera que pensa pensar
A andar num mundo
Sobre dois pés.
Pois que, como do Ser infante,
Constato, contesto:
Já se passaram os anos que te restam
A te tornares Humano manifesto.
Vê se acorda, animal,
A te tornares Homem de vez,
Pois teu vício é a sede de serdes “tu mesmo”,
Sem saber quem de fato és,
Pois que não Sou nenhum de vocês.
Nada desanima o sentimental
A pensar que perdeu algo
Que lho pertence,
Quando natural é tudo pertencer somente
A mim, o Ser Universal.
Vê se acorda, animal.
*
DE AMORES E DE DIAS
(Para Sophias)
Os dias passo até o consumo das horas,
O findar dos agoras,
Das auroras e dos passos
Que me levarão embora.
Passo ante passo
Piso em teu sorriso até que cheguem setembros;
Pois, se bem me lembro,
Com ele chegarão flores,
Ritas, Rosas, Sophias
Pra quem ofereço, por dias e dias,
Mil buquês de amores.
E os dias passam e os buquês se vão
Com suas flores fugidias
Sem me desejar boas noites
Ou novos dias.
E então,
Debruçado no para-peito da tarde
Penso em Poesia
E em como o Sol arde
De manhã à tarde
Sem deixar de queimar um só dia.
*
ONDE ESTOU
Tenho observado o mundo
E os tempos da História
Pra saber aonde rir,
O que fazer calar ou dizer,
Quer pra mim mesmo ou para ti.
Tenho pensado em sumir,
Mas pra onde?
Porque de carro ou de trem,
Só, com alguém,
Em qualquer lugar onde esteja
Continuarei sempre aqui também.
*
CONTRA TEMPOS
Contra tempos corro com os ventos
No vai-e-vem dos agoras eternos
Em busca de terras férteis em cemitérios.
Contra o Tempo corro à eternidade dos sonhos
Que contra o Tempo nos fazem pensar ser capazes de retornar
Ao meio do mangues
E tudo recomeçar.
Porque sou descendente de uma ameba
E um dia novamente ela me pega.
Contra o tempo, então,
Correm os que marcam pontos com o patrão
A pretenderem ganhar mais tempo para enfrentar a fila do pão.
Contra o tempo está o Futuro,
Que se pensa agora e sempre
Um de si mesmo pretendente
Que o presente não quer ver tomando
O tempo da gente.
Contratempos fazem da Música um tormento,
Mas também dá alento a quem de certo tempo não queira o advento.
O Tempo é a lesma andando sempre a esmo em busca de si mesma.
Mas o Tempo não pára nem tampouco corre o amor
Quando estou atolado em Amanda,
Embora apressada ela grite “anda: estou agora a sentir dor”.
O Tempo é contra seu próprio fluir:
Quisera não ficar velho e comigo ficar aqui;
O Tempo não gosta de seu vagar:
Às vezes ele passa rápido, mas sempre deseja parar.
E mesmo querendo o Tempo livrar-se das horas
Não tornará jovens velhas senhoras.
Mas tudo isso é bobagem do Tempo: por aqui estar e nunca ficar,
Um dia acaba o tormento.
*
FURACÃO
Da esquina
Vejo o furacão que se aproxima
Pela contramão da história.
E ele me fascina com sua volúpia,
Sua dança cósmica de turbilhões e vontades,
Que arrebatam o que está fora
Para dentro de sua rota de destruição
E remodelagens.
E então me deixo levar por sua vontade de ir
A nenhum lugar específico,
Sempre levando algo consigo e deixando muito de si,
Sem permitir que nada fique fixo.
E nunca se atinge,
Como meta de solução de fugir
Do Ungido,
O centro de seu umbigo.
Mas da esquina, com o furacão,
Também vejo vir vindo luzindo
Meu irmão,
Trazido pelo vento em tempestade
E com o espírito em comunhão.
E então,
Deixo-me arrebatar pelo tufão
A transmutar somente em sim
Meu vasto não.
*
DOIS LADOS
Dois lados têm a volta e a ida:
Um é uma guarida, outro uma ferida,
Embora pouco tudo isso importe hoje à Margarida,
Levada pela Morte
A conhecer outros lados da Vida.
Porque Nela há um lado de dentro e um lado de fora:
Um que chega logo, outro que demora;
Um caminho suave, outro que come a sola;
Um do lado do luxo, outro da esmola.
Dois lados têm quem tem dois lados:
Um lado que vai outro que vem;
Um raro demais, outro também.
Do lado de lá ao lado de cá,
Sem que importe onde o outro lado está
(Se no sul ou no norte),
Vou correr contra a sorte pelos lados das léguas
Montado em outras éguas só pra te buscar.
Mas se teu lado não é lado meu,
Mudo pros lados que sejam teus,
Pro lado onde estás,
Seja o lado da frente ou o lado de trás,
Seja tu Julieta ou Romeu
A fazer contigo o que também Prometeu
Prometeu.
*
DESEJO
Quisera dominar meus sonhos
A me fazer sonhar contigo
Todas as noites.
Então teus lábios,
A dar golpes de foices ao falar,
Seriam flores abertas para mim:
Único beija-flor de teu jardim.
*
DITADOS
Como dizem certas mães (ai de nós):
Quem é bom já nasce feio,
E o mar por si se destrói.
*
DIZER
Dizer mais do que devo,
Fazer um relato?
Mas, e se não devo nada?
No mínimo, entretanto,
Devo dizer o quanto amo
Ficar calado.
*
DIVINA SOLIDÃO
Estou só como somente
A semente que não brotará um dia.
Como se sentiria só o feijão sem o arroz,
Uma noite sem um dia,
João sem Maria,
O antes depois do depois.
Estou só como tu estás
No meio desta multidão assaz curiosa,
Inquieta com a presença do vazio
De toda noite.
Mas em meio ao Eterno,
Eis que surge Céu e inferno,
E então as lutas pela supremacia da propriedade dos dias,
Desde as estrelas que os tornavam noites
Às refletidas no fundo das bacias.
Mas a solidão prossegue enluarada
Entre estrelas, estrelada,
A pensar-se capaz de tudo e nada.
Nem Deus agüentou Sua própria solidão:
Contradizendo-Se, então,
Inventou de multiplicar-Se
Em infinitos sins e nãos.