O Sermão dos Ocasos
E todos os poetas falaram
Do sentir e do não sentir
Do amar e do não amar
Do brilho do luar
Em noites invernosas
Do faiscar de um olhar
Que tremulava apaixonado
Falaram sobre o não esquecer
Das estrelas que nunca lembram
De como era escura a noite
Que insistiram iluminar
Do sentimento úmido
Perpetuado nas lembranças
Que ousaram naufragar
Quando o porto era a saudade
E na deságua de lágrimas malditas
Aqueceram o pensamento em desafetos
E todos os poetas falaram
Do que se ouvia do silêncio
E em silêncio rimaram até o anoitecer
E falaram dos ocasos
Das nuvens pesadas
Que pairam em alerta
Anunciando a própria morte
E os poetas renasceram nos versos
Em que pariam a sorte de o serem poetas
E todos os poetas reviveram
Dos amores indizíveis
Das razões que findam-nos insuspeitas
E que gelam de amor nas entranhas
E no calor gelado do ventre do tempo
Negaram o amanhecer de si
E todos os poetas feneceram lembranças
E eternizaram-nas em poesia
O sonhar providencial
Onde insepultos nutrem-se para mais um dia
E os poetas falaram com coragem
De sua própria teimosia
Nos versos que lhes corroíam os dedos
Em verdades simbólicas
Que traduziram fantasias
Retratos de suas próprias vidas
E os poetas esqueceram de tudo
Exceto de não cessar o sentir
De abortar-se os sentimentos
E o honrarem em poesia
E os poetas disseram em rimas ricas
Dos ocasos de si mesmo
E aprenderam a matar a própria morte
Eternizando-a na delicadeza dos versos
E finalmente descobriram que a poesia
Nada mais é ou em tudo é
A própria vida do poeta
Que vive e revive-se no ato impune da escrita