Urbe

Minha cidade é um

rio de asfalto monstruoso,

para onde afluem vários

igarapés, na correnteza

levando-trazendo gente,

gente a pé, de bicicleta, moto, carro,

como num gigante pêndulo urbano:

o vaivém de almas e de vozes,

e de anseios longe de serem realizados...

Mas e eu, nesta cidade, sem canoa

para pilotar, sem enchente

e vazante para marcar

meu tempo, meu o-que-fazer,

por que saio como um boto,

nadando/andando sem destino

pelos rios-asfalto-piçarra, buraqueira,

escrevilendo minha vida

nos passos (mal) dados

à sombra dos espigões

dos edifícios, muros gigantes,

torres-cercas, fraseando

uma história sem

início e fim, apenas

meio, um rascunho,

um borrão, uns garranchos...

uns tropeços?...

Sou ilha, rodeado de asfalto,

cercado por edifícios,

vigiado por faróis de veículos,

impregnado pela fumaça

dos seus escapamentos,

atacado por assaltantes

e constrangido pela multidão...

A cidade, em mim, é lugar

onde nada fiz além

de perambular aos tropeços,

caminhada sem rumo,

como a leitura em que

constantemente se voltam

páginas não entendidas,

porque mal lidas, mal

escritas, mal vividas...

Poderia passar uma borracha

permanentemente nesse

capítulo mal escrevivido

de minha vida?

Isolar esse momento,

como isolado andei por lá?