Murubiras -- o início do fim

Na camboa,

em meio à névoa

da manhãzinha preguiçosa,

o índio morubira

recolhe o peixe, o camarão,

o siri...

Os curumins-filhos o ajudam

nesse labutar cotidiano, sem muriçocas

para atazanar a paciência.

Cunhã-esposa, no estirão da areia

recolhe sementes

na companhia das cunhãs-filhas.

Também juntam tabatinga vermelha

para pintar o corpo

pra festa que aí vem.

O mar-baía, cinza...

O céu, cinza...

A névoa, branquidão

que oculta o bege

da areia praieira,

onde a lenha já está

distribuída enfileirada

em montes a espaços

pela extensão da enseada.

O verde renasce por trás

da brancura a se dissipar, aos poucos.

O guerreiro-pescador murubira

já sente antecipadamente

o cheiro do peixe no moqueio,

o sabor do beiju,

do peixe apimentado,

do cauim inspirador.

Seus sentidos todos despertos,

já antevê ali

seu povo em festa, cantando

e dançando feliz,

na realização de seus rituais.

Um trovão, dois, três e mais,

-- com um ribombar repetido e assustador --,

despertam de sua reflexão o índio.

Em um átimo, a paisagem

ganha espessas pinceladas de vermelho.

O mundo explode em sangue

diante do guerreiro: a tribo

covardemente atacada

-- velhos, crianças, mulheres,

algumas grávidas,

atravessadas a espada, ou

já atingidas pelos tiros.

Sua família, sua tribo,

todos

vítimas de algozes gananciosos,

sedentos por terras,

e pelas riquezas que delas

se pode extrair.

Veloz, o guerreiro tupinambá

corre destemido rumo aos seus

e ouve um trovão -- não, não é de Tupã!

Dor, insuportável dor!...

Diante de seus olhos, a última visão:

o chão e a escuridão.

O nada destruidor passou a imperar

na Enseada dos Murubiras...