[Paisagem Noturna]
[... por que existir é incompreensível aos olhos da razão]
Passa da meia-noite.
Acordo de umas quatro horas de sono,
e sento-me na beirada da cama.
Aturdido, sinto a cara amarrotada;
tenho a boca travosa pela secura,
quase mastigo a língua ensaboada.
estático, enquanto olho o nada,
seguro a cabeça entre as mãos
envolvendo-a como se eu fosse
arremessar um globo terrestre.
ponho os pés no chão frio,
dá-se um milagre:
numa suave e verdejante encosta,
há uma árvore solitária,
do porte de uma jabuticabeira
vista por mim, quando adulto.
Pousado na árvore, mas indistinguível à vista,
há um bando de pássaros que trinam
ruídos mil sob a luz frouxa do ocaso.
Há uma alegria incompreensível
na polifonia dos pássaros fundida
à claridade macia da luz mortiça.
retiro os pés do chão frio:
voam os pássaros, vai-se a árvore,
some o sol, vem a noite,
bate-me n’alma uma tristeza sem nome!
Só mesmo um louco diria
que essa paisagem não existe!
[Penas do Desterro, 01h50 da madrugada de 24 de julho de 2001]
Caderno 4