[O Susto das Coisas]

Levanto-me à noite, acendo a luz, caminho pela casa - vou ver se as coisas ainda estão lá, tal como estavam e eram antes. Sou tão desconfiado... nasci assim, por isto, fiquei pobre. Será? Não seria o contrário disto?

Chego a pensar que só de susto as coisas são... se analisadas, se revistas, podem não ser mais como eram. Vai que as coisas levam um susto e deixam de ser?! Quem jura que não... Pois, se cada objeto tem infinitas rotas de abordagem, infinitas miradas... As propriedades das coisas mudam com a visita de insetos noturnos? Mudam com o vento, com a temperatura?

E os sentimentos? Quantas miradas... E se eu dormir sentindo-me desta ou daquela forma a respeito de alguma coisa, alguma descoberta, alguma pessoa... Posso coisificar coisas intangíveis... e posso querer dar um susto no tal do "sentimento" para ver se ainda é o mesmo... E posso? Giro o sentimento como coisa, um rodopio louco, até ele ficar tonto... e assustado? Ah... que menino cruel, brinca com os sentimentos, com as idéias... com fogo, já sabe, molha a cama...

Criancice? Mas eu nunca cresci, pois vivo perguntando, perguntando, e também, reperguntando! E se...? Oras... ensinaram-me que o "se" é um apagador mental - pois bem, uso-o para apagar restos de indagações e assim, criar... novas indagações!

E se as coisas levassem um susto, seriam elas a levar o susto, ou o meu olhar? Quem pode imaginar uma coisa assim, como uma panela, assustada de madrugada? Um mingau assustado? Um eu-coisa-menino assustado com tanto miolo-de-pote que fala?!

[Penas do Desterro, 25 de maio de 2010]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 25/05/2010
Reeditado em 22/04/2012
Código do texto: T2278678
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