Traição

Era assim que se insinuava o tal momento

Numa noite calma e recortada na janela

Buscava o ser com olhos sôfregos

A imagem amada no horizonte estelar

Enquanto a pele do desejo sucumbe

E eriça-se sob toques indevidos

Algo rompe-se no íntimo daquele ser

Por tanto amar adiou inúmeras vezes tamanha entrega

E eis que agora a visão nua é inquestionável

Do corpo a despertar em mãos estranhas

Culpas e medos misturam-se ao despertar

Marcas insinuantes desenham o tal desejo

A alma envergonhada recolhe-se

Enquanto o ser embriagado pelo instante

Finge esquecer o ser amado

E da vontade imperiosa que sentia a pouco

Permite-se ir além do próprio ser

Enquanto esculpe-se a geografia do prazer

Estilha-se o ser em mil partes

Desconhecia-se até então este sabor

Permite-se ir e se perder por instantes

Neste vislumbre pedaço de noite

O desejo é liberto e desvairado

Aconchegado em mãos alvissareiras

Que apropriam-se impiedosas e sedentas

Entorpece-se, anuvia-se , abandona-se o pensar

O querer não é mais querer

A insensatez é um açoite na face da alma

Derrama o ser lágrimas furtivas

Já não sente a totalidade de pouco antes

Segue agora sem pressa e imperfeito

Diante do irracional momento

Olha mais uma vez a janela

Agora há uma vidraça

E por trás do vidro um embaçamento

Tudo adormece envolto na recente paixão

Os instantes anoitecidos transformam-se

E amanhecem orvalhos do dia

Acorda e anseia ardentemente

Para que tudo nada tenha sido além de um sonho

Mas há trilhas de prazer

Para além dos lençóis amassados

E definitivamente compiladas na alma

Traição