Canto Duplo
Olhos olhos olhos,
são cegos os que te vêem?
sedes teus, minha querida
esses olhos que achei lânguidos
postos em canto a prantear?
vai, vai agora a deleitar-te
se não vedes que esses teus olhos
são dardos mornos em poesia pobre
sonetos furados e rimas coxas
caia-se na embriaguez ao banquete da corte
e espera o dia nascer branco, brando.
Vai menina, apressa-te a esconde-los
que na terra de porcos cegos
falta luz na casa do rei
se há tanto tempo
não há mais tempo a perder
guarda a faca e vai-te à janela
e de lá verá
aos uns que virão.
Aos passos errantes
de vidas constantes
em mero instante
ao longe no mar
estarão os vagantes
no mais retirantes
que um pouco adiante
virão a rimar.
Pois certa esteja
se na vida os almeja
não menos deseja
não venha a falhar
se é apenas um dia
que te falta alegria
à noite virá a vagar.
E se canto outra poesia
a mais nova e perene heresia
só agora vês agonia
e esta te foge à mão
não tente outro riso
não é mais que um aviso
se beijas o piso
é porque fostes ao chão.