Procura-se uma flor

Procura-se, procura-se

Insistentemente

No silêncio da noite

Na mesa dos bares

Na ardência do dia

Em todos os lugares

Com olhos aflitos e

Mãos dormentes

Procura-se, urgente

Uma flor que não se sabe

o nome, a cor, o perfume.

Procura-se entre edifícios

Nas escuras estações adormecidas, entre velhos jardins

burocráticos

Nos muros enegrecidos

Nos olhos da companheira

Nos confusos cabelos da mulher amada.

Procura-se ardentemente

Procura-se por toda parte

Enquanto os homens se embriagam

Colher qualquer coisa meiga

terna

vadia

perdida como essa flor.

Os poemas não comunicarão seu perfume.

Ela é, talvez, qualquer coisa

Como a minha, a tua, a nossa voz

Esquecida. Talvez a flor seja regada a longos silêncios.

Talvez é preciso falar baixinho

sussurando ao pé do ouvido

para descobri-la.

Procura-se ainda

A criança desbotada em algum armário

Empoeirado, cheio de discos, seu claro sorriso,

O crepúsculo que deixamos sangrar sobre o lago,

O largo horizonte perdido, a ave que fomos,

A estrada, a boléia, o mar, o cais, os trilhos.

Ou qualquer coisa como essa flor

Essa flor que ficou pra trás

Essa flor que já não há mais

Mas que há de haver

E que havemos de achar

Exaustos, sobre o telhado,

Numa outra vida

Quando formos gatos!

***

Alex Canuto de Melo
Enviado por Alex Canuto de Melo em 20/05/2010
Reeditado em 21/07/2010
Código do texto: T2267907
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