Procura-se uma flor
Procura-se, procura-se
Insistentemente
No silêncio da noite
Na mesa dos bares
Na ardência do dia
Em todos os lugares
Com olhos aflitos e
Mãos dormentes
Procura-se, urgente
Uma flor que não se sabe
o nome, a cor, o perfume.
Procura-se entre edifícios
Nas escuras estações adormecidas, entre velhos jardins
burocráticos
Nos muros enegrecidos
Nos olhos da companheira
Nos confusos cabelos da mulher amada.
Procura-se ardentemente
Procura-se por toda parte
Enquanto os homens se embriagam
Colher qualquer coisa meiga
terna
vadia
perdida como essa flor.
Os poemas não comunicarão seu perfume.
Ela é, talvez, qualquer coisa
Como a minha, a tua, a nossa voz
Esquecida. Talvez a flor seja regada a longos silêncios.
Talvez é preciso falar baixinho
sussurando ao pé do ouvido
para descobri-la.
Procura-se ainda
A criança desbotada em algum armário
Empoeirado, cheio de discos, seu claro sorriso,
O crepúsculo que deixamos sangrar sobre o lago,
O largo horizonte perdido, a ave que fomos,
A estrada, a boléia, o mar, o cais, os trilhos.
Ou qualquer coisa como essa flor
Essa flor que ficou pra trás
Essa flor que já não há mais
Mas que há de haver
E que havemos de achar
Exaustos, sobre o telhado,
Numa outra vida
Quando formos gatos!
***