Essência

O que eu sou é um rio que nasce numa grota escura
E se disfarça de água corrente e forte a cintilar o sol pelo leito...
Quem navega por essas águas pode se encantar com a beleza do que vê:
Margens ricas, verdes, floridas, enfeitadas pela natureza,
Águas que seguem seu rumo sem vacilar diante de obstáculos,
Peixes, milhares de peixes clamando pela água abundante em adoração...
E todos amam navegar pelo rio disfarçado e colorido,
Todos querem ver as margens e suas belezas...
Mas a grota escura e o fio d’água que eu sou ficam desertos...
Há quem diga que eu sou também as águas disfarçadas,
Com margens verdes e navios a me atravessar,
Mas essa não é a essência de mim. Belo é meu disfarce, não eu.
Eu quero que visitem a grota escura
E que eu pare de nascer quando for preciso,
Sem que me culpem pela morte dos peixes,
Pela secura das plantas e pelo turvar da água
Que impede que o sol cintile em mim para quem quiser olhar...
Quero ser a grota escura sem o fio d’água...
Quero ser só o escuro da grota...
E às vezes eu quero não ser, simplesmente.
Talvez não ser seja a minha essência...
Não ser beleza, riqueza, brilho...
Não ser nem mesmo a escuridão da grota...
Eu pareço o que em essência não sou...
E é por isso que eu preciso de tantos disfarces.
O que eu sou é um rio que nasce numa grota escura
E deságua no oceano da minha própria solidão...

Rio/Agosto/2006