Do tempo e de mim!
Sempre que busco o essencial, descubro o acessório e o secundário
E rendo-me à sofrível incapacidade de ir mais fundo e mais longe
Na descoberta do sonho ou do remédio que cure a teimosia exausta
Que continua a lançar-me para diante ainda que resignado
À certeza de que a chegada se fará dolorosa e a estrada será longa.
Dias e dias, teimosos e repetidos, passos e mais passos, perdidos
Na vagarosa e impenitente cisma de continuar ainda, sempre,
Mesmo quando o sol desmaia no horizonte e a luz se apaga nas janelas
Para acolher no silêncio pardo de noites gémeas de outras noites
Os braços soltos de amantes pressurosos, envoltos na penitência do amor.
Lagos azuis e pomares de estrelas, pintalgados de névoas e neblinas,
Sussurram na plangente abóbada do infinito, onde respiram os anjos
E vivem os querubins, entre as constelações das almas sofridas e eleitas,
Comensais da mesa dos salmos e guerreiros da irmandade da via láctea,
E se projectam as verdades absolutas e as incertezas jamais esclarecidas.
Nada sei de ser espírito, neste corpo de matéria frágil, mais do que um porção
De fé e uma descoberta permanente das minhas fraquezas e imperfeições!
Incomoda-me a debilidade que me atordoa e escraviza, como me seduz a infantil
Submissão ao livre arbítrio que uso sem regra ou lei, avesso a justificações
Injustificadas ou a metáforas, alegorias e avulsas retóricas de cartomante.
Diabolizo a inverdade e ostracizo a purulenta invenção da escravatura
Que engravida as vidas recorrendo às técnicas da sedução corruptiva
Da publicidade asfixiante e dos abjectos sinais de ostentação redundante
Como se tudo fosse um todo e todos pudessem tudo, mesmo quando
Todos sabem que tudo é relativo e tão pouco de todos.
A hipocrisia criou raízes no espaço, onde antes crescia a sorriso das crianças!
A resignação ganhou estatuto, onde antes se escutavam as lições de vida e o saber dos velhos!
O silêncio campeia autoritário, onde ainda há pouco se digladiavam paladinos da palavra!
E contra as bandeiras do respeito e da civilidade, drapejando no mastro supremo e soberano,
Crescem agora ódios arvorados em direitos, como se tivessem voltado os autos de fé
Das santas inquisições d’antanho – reviralho pós-moderno de lantejoulas e purpurinas!
Arrenego-te satânica arrogância de olhos doces! Falas mansas de consabidas palavras
Que seduzem incautos ouvintes e sensíveis corações de comoção espontânea e bem-querer
À flor da pele! Vácuas e insalubres são as promessas que lançais aos quatro ventos,
Pestilências de severo calibre e contaminantes efeitos gotejam de vossos corpos de pústula!
Masmorras de sodoma! Antros de gomorra! Fétidos prostíbulos de devassidão e orgia!
Jamais negarei a imperfeição que soletro na conjugação das forças que me faltam
Quando empunho a demência e me submeto à loucura do combate corpo a corpo!
Ainda assim, não me entregarei sem luta, à melosa semântica dos cânticos em falsete
Que vozes soezes irradiam a tingir o éter... De pé morrem os arautos da esperança!
De pé! De olhos em riste, como espadas que ferem o tempo e a cobardia
E lavam as dores dos corpos e da alma no sangue dos puros e dos heróis anónimos...
De pé! Como as árvores e os gritos de revolta, arrancados do húmus dos ideais
De justiça, a conquistar o pão nosso de cada dia, e a luz, e a dignidade...
De pé! Com os braços em cruz e o corpo alagado no suor do mourejar dos dias!
Mas de pé!
Com a voz cristalina, como a água fresca das fontes e das nascentes tímidas...
Com a alma livre e liberta, à semelhança dos pássaros e dos poetas eternos...
Com o pensamento adulto, levedado no alfobre das ideias e na perseverança do amor...
De pé! Ainda que doa dizer não e o sono alastre a querer tomar-me de assalto!
Do Homem se dirá: morreu... de pé!
Em 02.Maio.2010, pelas 23h00
PC