Ando com mania de escrever versos para crianças
mas aquela linguagem simples e inocente me faz falta
ainda que um dia eu tenha sido a menininha que declamava versos
nas datas cívicas e em outras ocasiões
ainda que tantas vezes tenha subido ao palco de vestido branco
falta um "tantinho assim..." para que eu consiga tocar a pureza...
nunca chego até ela e sei que me escapou
ou terei me afastado dela porque tive o sonho de crescer
de fazer parte do mundo adulto onde há grandes pensadores
engodo traiçoeiro que atrai almas ingênuas
depois de ter cruzado o limiar que acolhe gente grande
escorrego na ilusão da nobreza e do altruísmo
sem jamais poder tocar os poderosos
ainda que não resvale no chão cheio de limbo
ainda assim, não quero chegar a descrever
as dores do eu aviltado
cresci, mas não sou grande o suficiente para isso
e os meus versos, ah!, os meus versos são arremedos inúteis
que não ganham prêmios, não recebem aplausos
porque trago na voz o azedume de um adulto
e a falsa educação de não dizer mais o que penso
sem meias palavras
sustentada apenas por cabelos cacheados
e um brilho nos olhos que mal descortinaram o mundo
Não sou mais uma criança e também não sou adulto
a alma veio das alturas, mas anda presa numa carcaça velha
embalagem que a desclassifica para as prateleiras da frente
para a verdade necessária e contundente
de que esse mundo ainda não foi bem sacudido
por tsunamis, terremotos e erupções vulcânicas
ainda não foi bastante ameaçado por asteroides
e cometas vindos do espaço exterior
pelas explosões solares
e pelos desmandos dos homens sobre a Terra
por guerras atômicas e crianças famintas
pela desordem que melhor exporia a nossa pequenez
Então vago perdida pelos sentidos das palavras
sem encontrar um nexo e uma exatidão simples
o sentido da esperança para mim está perdido
na forma extrema de dolorosa e inexorável descrença
Salve! Mestre Fernando Pessoa