ATO XIV - UM DELÍRIO BERGSONIANO, da Poética do Fingimento
ATO XIV
E nas gavetas do meu destino
guardo fantasias de não-ser,
das que eu já vestia em menino
tamanho exato do meu crescer.
Entanto, fecho as ordenadeiras
cuidando inventar outro vestir
e nu saio correndo as ladeiras
e toda minha roupa é existir.
E toda minha nudez é o calar
enquanto não mais às poesias
der a competência de expressar
a inverdade de quase-alegrias.
E se volto ao quarto do silêncio
e lembro da delicia que é cantar
as gavetas elidindo meu imenso
vazio, me tentarão a enganar.
Talvez seja meu destino esconder
em cantos (de lugares inabitados)
a eterna possibilidade de viver
o verdadeiro em engano disfarçado.
E as tais gavetas seriam só figuras
dos meus tantos disfarces de sentir.
E a imagem das roupas, iluminuras
da minha inata inépcia em me despir.