Ode aos poetas mortos

I

Minha prateleira é um cemitério de poetas mortos.

Lá estão meus poetas, enterrados, em seus túmulos,

Como a espera de visitas.

Nós, os leitores, tantas vezes entramos nesse cemitério,

Indiferentes, desavisados, sem flores.

E no entanto basta

Um ligeiro olhar

Sobre um epitáfio " - Foi poeta - sonhou - e amou na vida."

Para o macabro diálogo entre vivos e mortos começar!

Ah, estranha psicografia essa dos poetas!

Ah, os poetas mortos, estarão definitivamente mortos?

Álvares, Carlos, Manuel, estão me ouvindo?

Fernando... Neruda!... Alô, Pablo? Eia, Pessoa! estão me ouvido?

Se mortos, porque nos tiram tantas vezes o sossego?

Porque gritam, no fundo de seus túmulos?

Porque, Drummond, porque seu tédio, seu nojo, seu ódio

Sua flor rompendo o asfalto em plena capital do país

Às cinco horas da tarde, ainda provocam na gente

Esse estranho arrepio, esse espasmo essencial,

Essa melancolia, essa súbita esperança num mundo mais justo?

Ah, melhor seria se você, Carlos, e os demais, à hora neutra da madrugada, entrassem pelo nosso quarto

E puxassem nossas pernas,

Como fazem os fantasmas anônimos dos casarões antigos

Como faz tua moça-fantasma de Belo Horizonte

Ou o espírito do soldadinho de chumbo

Que me assustou no escuro corredor da antiga casa da minha avó

[no tempo que eu era menino.

Mas não! vocês assombram,

inquietam,

perturbam,

roubam o sono da gente - mais do que qualquer

fantasma, mais do que qualquer telefonema,

Ah, essa chamada indesejada dentro da noite!

Vocês, poetas, suspeito,

Se fingem de mortos!

É isso. São uns fingidores.

Fingem tão completamente que...

Mas antes

É preciso que nossas mãos se aproximem de seus túmulos

Com distinta reverência...

Que os abra, ainda que sôfregas

ainda que indiferentes

E que passeie seus dedos ali, sobre a carne fria daquelas palavras

Palavras, urnas onde o poeta enterra sua alma,

Num dia qualquer, num instante de fúria, de febre e esquecimento.

II

Lá estão eles, os poetas, enterrados no fundo de um livro.

E em cada palavra um osso, uma tarde se consumindo em tédio,

Sons, lampejos, ruídos dentro do mar invisível,

Seios palpitando no infinito, Vinicius pedindo, eternamente pedindo:

- "Susana, esquece-me, não sou digno de ti..."

E sofremos contigo, Bandeira,

No seu quarto modesto,

Você,

Você pensando humildemente nas

Mulheres que amou

Na vida inteira que deveria ter sido e que não foi

Sua tosse, tosse, tosse

Sua estatuazinha de gesso

Sua ternura

Seu boi morto, as cartas do seu avô.

Minha prateleira, meu cemitério, meus mortos!

Lá estão enterrados com seus amores, suas misérias, suas utopias

Com vosso eterno cansaço de terem sido homens um dia.

Mas não. Esperem. Ainda não há rumor de vida.

Não há diálogo. Não há psicografia!

Nenhum grito, nenhum gemido,

Nenhum sussurro se insinua no livro fechado.

Há somente um leitor solitário,

E a alma de um poeta enterrada no fundo de um livro.

Estão lá, ainda pálidos, silenciosos, a espera de ti.

E basta pois um sopro,

Um mero sopro teu,

E ei-los vivos, ressuscitados, como Cristo,

Senhor Nosso, os poetas renascidos,

Como crianças que vem ao mundo

Pelas tuas mãos!

***

Alex Canuto de Melo
Enviado por Alex Canuto de Melo em 05/04/2010
Reeditado em 26/11/2010
Código do texto: T2178925
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