Poema de Peter Handke

Transcrevo um poema de Peter Handke. Porquê? Porque este poema tem em si tudo aquilo que eu creio ser a poesia, a verdadeira! É um manifesto da emoção, do sublime e do belo. Tem palavras que querem dizer coisas, ou seja, comunica algo, não é estéril e vago. É sobre a vida, mas a vida dita como só a poesia - a verdadeira - sabe dizer, elevando o quotidiano, o dia-a-dia a experiência única, ou seja, a arte.

Para além disso, hoje recebi uma mensagem com palavras, com história, com alguém do outro lado e isso é cada vez mais raro. Há, por isso, que comemorar. Faço-o, oferecendo a ler a poesia mais linda, mas mais liiiiiinnnddddaaaaaa mesmooooo!!

os teus cabelos tomaram a cor vermelha

e enloureceram

as tuas cicatrizes multiplicaram-se

e ficaram depois impossíveis de encontrar.

A tua voz foi estremecendo

tornou-se mais firme, sussurrou, tremeu

transformou-se numa melopeia

era o único som na noite de todo o mundo

por fim calou-se, a meu lado

os teus cabelos lisos encresparam-se

os teus olhos claros escureceram

os teus dentes grandes ficaram pequenos

a pele bem esticada dos teus lábios

adquiriu o aspecto de um desenho suave, delicado e macio

no teu queixo sempre liso

descobriram os meus dedos uma depressão que nunca lá estivera

e os nossos corpos em vez de um ao outro fazerem doer

uniram-se fácilmente num só

enquanto na parede do quarto

à luz da lanterna vinda da rua

se moviam as sombras dos arbustos dos jardins da europa

as sombras das árvores da américa

as sombras das aves nocturnas de toda a parte.

PETER HANDKE