BRINCOS
Hoje o olhar encopa dois aviões
Que nunca voaram nos céus da China.
O olho vela a velha chinela
Largada no sótão emundado.
Na escuridão do jogo dos pés
Chora a voz de quem nunca partiu.
Caminho com um coração de aço.
Andar pelo mundo pode deixar feridas
Que a mão da minha mãe não pode sarar.
Estranho qualquer pedra
Que não carrasca um único sonho.
Há um menino passeando sem olhos,
Levado pelos guias nus do indestino.
Há um menino morrendo dentro do menino.
Há um menino morto nascendo dentro do menino.
Carregue meu ombro e veja se pode carregar
Por um minuto a montanha que me deram
Como recompensa por esconder a verdade.
Na cordilheira da minha mão transpira
Uma ambição de roubar uma semana a mais na vida.
Meu coração espera as horas
Para planejar uma grande fuga e não ter mais que
Vestir smoking na festa dos homens.
Olhe a fonte me revelando uma ponte
Que me levará a uma fonte.
Se quero andar, a estrada é tapete de esporas.
Beijo o que sobrou de Atenas e aceno
Para a minha imagem resumida num espelho de bolso.
No bolso de sacolejar o resto
Daquelas crianças que esperavam
Com o carrinho escondido que o tempo
Roubasse-lhes a inocência.
O portão do meu caderno de desenho
É o maior obstáculo a ser vencido.
A cidade corre dos seus carros e esconde
De suas gentes e vermes.
Mas ainda há um espaço guardado na vida
Para quem carrega uma mochila nas costas.