"Sou Ana de cabo a tenente
Sou Ana de toda patente, das Índias
Sou Ana do oriente, ocidente, acidente, gelada
Sou Ana, obrigada"
(Ana de Amsterdã - Chico B. de Hollanda)
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ANTÔNIA DE TODAS AS DORES
São tantas as minhas feridas
que nem sei como sarar
são roxos desenhos na pele
tormentas de tortuosas noites
nos braços as dores de açoites
venho vindo há tanto tempo
naufragando neste mar.
Errando os pés, andar lento
ziquezague nas calçadas
sou Antonia, de salto alto
da briga no asfalto
e prazer em um ato.
Não nasci de literatura
sou mulher da cara dura,
sou cria de beira de estrada
dos rotos escambos, moeda.
Em dias e noites, agruras
no sono, a paz que me leva.
Nos jornais não fui menina,
estudante,ou filha, ou irmã,
fui pivete, menor, delinquente,
e hoje não sou mulher,
sou somente entre aspas,
perdida, puta, safada,
a dama da madrugada
"tem um cigarro aí pra me dar?"
Meus amigos de noitadas
também nunca foram pessoas
com suas caras nas notícias:
marginal, bandido, ladrão.
Sou Antônia das esquinas
dos becos, da confusão.
Valha-me Deus e o demônio
minha carne é solidão...
Sou verso de pé quebrado
de algum poeta borracho
estou sempre de partida
dou risada , faço escracho,
mas meu beijo é doce mordida
guardado pro meu malandro
safado, cretino, ensebado
e tão meu, minha riqueza
meu descanso , pão na mesa
sal e sangue, céu estrelado!
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" Da vida, vadia;/ dos corpos, sofrida;/ da mão atrevida /que um dia cedi,/ tomei gosto amargo/ mas, gosto, de fato,/ ser dama do escracho/ - sou nova Geni/Beijo, abraço,/carinho ou sarrafo,/dum macho, um falo/ mas, Homem, nenhum:/me viro na vida,/não fujo de briga,/garanto-me sozinha/sem bofe algum"
Jorge Luiz da Silva Alves
Ilustração:
Mulheres
óleo s/tela - ass.1969 - 73 x 100 cm.
Di Cavalcanti