Minha Amada Imortal II

Tenho andado como correndo

atrás do tempo perdido.

Não sei se tempo passado,

presente ou futuro.

Não sei se lhe tenho corrido no encalce

ou se dele fujo.

Só em teus olhos, minha adorada,

eu me encontro!

Mas é apenas um lampejo,

uma fagulha de reconhecimento,

que morre em tua indiferença!

Vivo para amar-te

e, unicamente desse modo, sinto-me completo!

Vivo para derramar lágrimas

que não vens secar.

Meu tempo é a duração de teu sorriso,

leve e transitório contrair de músculos,

no qual repasso todas as eras.

Qualquer gesto ou palavra tua,

por mais trivial,

soa-me mais eloqüente que Cícero

e toda a tradição retórica.

A melodia de tua voz

faz-me viver mais intensamente

que todas as composições de Beethoven.

Vivo para olhar-te passar,

altiva, serena,

sem pompa e majestade,

como uma manhã de inverno!

Os raios de sol, entretanto,

levam a todos os seres

um pouco de calor e alegria.

Tu te esqueces sempre de mim,

a mais desventurada das criaturas,

a que precisa somente de teu afeto

e nada mais!

Tentas dissuadir-me da idéia

de que sejas quem espero.

Tuas palavras, porém,

nesse particular, são impotentes

contra os chamados que tua alma

dirige à minha!

Se não és mais que Beatriz,

é que sou poeta medíocre,

pois merecerias um novo céu

para tua morada!

No anoitecer de minha saúde,

meu espírito levantar vôo já não pode,

atado que está aos pés da criatura bem-amada.

Meu último passo, dialético,

leva-me à minha própria ruína.

Essa razão, só tu podes romper!

Continuas-me estranha,

como uma figura de mármore

diante do fogo mais cálido.

Perseveras em teu desamor,

como a terra árida se nega

a alimentar qualquer vida que seja.

Folheias revistas

enquanto eu, desassossegado,

repasso os nós de meus dedos

qual contas de um rosário.

Ofereces-me o que não quero,

doces e biscoitos,

quando meu corpo engelha

à falta do sabor incomparável de teu lábios.

A cada vez que me fitas,

gravas mais uma letra,

de uma linguagem rude e insensível,

em minha lápide,

pois que não vislumbro, em teus belos olhos,

a paixão que ali procuro!

Agora, noite, ouço os sussurros

do vento e os gritos lastimosos

de insetos.

Mais uma vez, devo dormir

com esses ruídos familiares.

Quem dera ser embalado

pelo agudo de cúmplices risadas

e pelos sussurros do carmesim de tua boca,

impregnados do perfume de teu hálito!

Sussurros de amor,

que os anjos ouvem e guardam para sempre!

Sussurros de acolhimento,

que fazem girar intrépida a roda da vida!

Murmúrios de lascivo arrebatamento,

expelidos por todos os poros,

êxtase de todos os sentidos!

Quisera acordar e contemplar-te,

plácida e feliz,

e sentir-me feliz

como nenhum deus me pode fazer!

Ao despertar, todavia,

a memória repõe, ante meus olhos

esgazeados, tua perversa indiferença.

Daniel Afonso
Enviado por Daniel Afonso em 27/03/2010
Código do texto: T2161638
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