O TEMPO

Pequeno andarilho que vasculha a nossa vida numa desenfreada folia,

como se estivesse montando infinitos andaimes com as nossas veias,

como se estivesse buscando uma saída num paredão sem fim.

Muitas vezes parece que o domamos feito feira de circo,

como se coubesse inteiro numa de nossas mãos,

como se pudéssemos abraçá-lo feito o nosso filho mais querido.

Outras vezes ele se traveste de algo maior que tudo, maior que todos,

e nos leva para os confins da sua alma só para perdermos o nosso rumo,

só pra esquecermos a quem viemos e para onde vamos.

Assim vão correndo os anos até que chegamos perto de onde não dá mais pra prosseguir,

as rugas e os calos se traduzem como os nossos maiores aliados e rivais,

o ouro que tanto nos ofuscou agora vira musgo, vira carga vencida, vira entulho que nada mais serve.

Mas a vida ainda grita suas leis até ensurdecer quem estiver perto de suas amarras,

a vida ainda nos chicoteia com o mesmo vigor de milênios passados,

a vida ainda nos convida para dançar nesse baile que insiste sempre em recomeçar, como disco arranhado de vinil.

E nessa algazarra sem fio da meada será que ainda seremos capazes de puxar o freio dos ventos?

E nessa alucinada fanfarra de números e desejos será que ainda resta um grito que não deixamos fugir, nem sorrir?

E nessa loucura em que nos hibernamos será que ainda resiste um filete que nos poderá levar para outro por-do-Sol?

E, assim, com a calma que os deuses irão nos emprestar,

seremos capazes de colocar fraldas nesse tempo tão arredio

para, finalmente, podermos respirar a brisa que tanto quer, e precisa, beijar a nossa face.

E assim, finalmente, seremos capazes de dar ao tempo a sua alforria triunfal.

E assim, por certo, teremos o passe para avarandar com toda alegria o que a vida quiser nos abençoar.