PURA POESIA

Não aprendi a apanhar no outono uma tarde virginal.

Não encontrei a organicidade da pétala no sorriso da mucama.

Não percebi a puberdade incrustada em cada amanhecer.

Por isso não faço poesia.

Procuro por causas e efeitos

e deslembro dos defeitos,

dos hiatos

que impulsionam a criação.

Sou filho da definição,

súdito do porque,

dependente sintomático do juízo.

- Doutor, e o tratamento?

Não há desintoxicação.

Não há antídoto.

Não há haverá.

É tarde. Tardíssimo!

A criança que me habitava esvaiu-se no labirinto da certeza

sem descobrir como cobrir o verbo de cor.

Não sei fazer poesia

porque cadaverizo os sentimentos

numa página pálida.