[O Galope do Medo]
Noite, chuvarão pesado...
Desligo o celular, abro a geladeira;
Ah... esse cheiro do figo maduro
traz-me a opressão aquele medo!
Fecho os olhos e...
Noite escura, chuva pesada;
as águas vindas da invernada
adentram o quintal da fazenda...
Voragem tenebrosa; árvores gementes;
asas negras de morcegos triscantes;
moita de bambus a espoucar no vento brabo;
e o enorme pé de figo à beira do rego-d'água
— será que resiste ao aguão doido?
Escuridão... animais sem abrigo;
bate solta a porteira do curral do paiol
que alguém esqueceu de tramelar;
as goteiras infernais pela casa;
dançam loucas as chamas das lamparinas;
estrondo de águas brabas no escurão da noite!
Ah, o medo, o medo... o medo!
No outro dia, pelo chão lavado,
os figos esmagados...
Coisas que me viajam no aroma
deste figo — eu aqui, longe, longe,
morrendo feito um cão desnorteado,
ovo rolado p’ra fora do ninho,
eu — longe da madre que me gerou!
No fragor do chuvarão noturno,
o medo vem a cavalo, e galopa
no cheiro deste figo maduro,
doce, doce... e de novo,
aquela opressão sufocante
da voragem escura das águas!
[Penas do Desterro, 25 de março de 2010]