[O Calor do Passado]
Não é minha missão
fazer sentido do que escrevo,
sou visto tanto pelo que faço
quanto pelo que deixo de fazer!
E saber quem sou já seria demais,
eu vivo à distância de mim,
e para isto, vagas ideias me bastam...
têm de me bastar!
Ando cansado de falar,
mas nunca de escrever;
por vezes, eu escrevo
ainda no calor do estampido!
Na ânsia de alongar o instante,
eu fecho os olhos,
as palavras se desenham no ar,
apanho-as, grafo-as... mas o quê...
elas saem já sem onde, sem pouso...
pois outro é o ser que as pensou!
Por que não dramatizar...
O estampido é passado-presente,
pois o evento mesmo se deu antes!
Ouvi-lo é como sentir o impacto
de um estultificante passado:
é amargar em solidão, e com as mãos,
o cheiro do calor deixado na cama
pelo corpo amado que se retirou,
partiu ainda agorinha, agorinha...
[escuta, escuta só:
é a batida da porta da rua!]
Corte — procuro outro objeto,
fujo ao calor do passado, à amargura...
Mas por que não dizer as razões,
por que não falar destes lençóis
amarrotados, ainda quentes, quentes...
[Como vim parar aqui, não sei...
vai ver, ao partir, o rumo era errado,
mas isto é apenas outra fatalidade.]
[Penas do desterro, 24 de março de 2010]