Minha Amada Imortal
Teus olhos tristes e zombeteiros
beijar quis todas as noites e por ti
velei madrugadas adentro.
Teu semi-sorriso, nos lábios que nunca toquei,
conheço sem ver,
como pressinto tua respiração cadenciada
e teu hálito perfumado
nas cartas que nunca recebi.
O brilho de teu olhar,
mesmo nunca tendo acendido as chamas
de minha paixão,
alimenta-me e incita-me
à vida, a essa insônia sem descanso.
Sigo meu caminho,
"em hora atrás das horas",
despenhando-me em abismos sem fundo,
sem retorno, sem esperança.
Sempre mais perto te tenho
e sempre me foges.
A valsa prossegue,
convidados chegam e outros se vão.
O tempo te toma nos braços
e conduz pelo salão iluminado.
Eu me acomodo na penumbra,
que és toda minha luz!
Vejo-te de longe, tão bela,
tão inacessível;
ouço as batidas de meu coração:
a música da orquestra, a valsinha jovial,
se converte num terrível quarteto,
metafísico, inelutável como o Destino!
És tu quem reges!
A hora final se aproxima.
O fio se fia, mede-se e corta-se.
O salão está vazio e escuro.
Em minha angústia, ouço inda
teus passos, o farfalhar de teu vestido.
Tuas mãos procuro;
sinto-as suaves, as carícias celestiais!
- Paciência! - dizes-me.
Mas como ter paciência
se se avista já,
após quarenta séculos,
o templo de Salomão?!
Não me evites mais.
Em lágrimas minha alma
se esvai e meu corpo coberto está
de chagas; são desertos percorridos,
pedras e espinhos pisados
na interminável busca de ti.
Não tenho mais tempo.
Fica comigo agora!
No crepúsculo de meus dias,
possa escutar orações murmuradas
por entre teus dentes.
Possa contemplar um rosto
que não seja um rosto impassível
sem face.
Ao apagar das luzes, minhas últimas palavras,
toda a bondade de meu espírito
são pra ti,
minha Amada Imortal!