Poema obscuro
Eram as horas de má sorte.
Os ventos glaciais traziam
vapores de eras sepultas.
Sombras se arrastavam
pela superfície fria e úmida do lodo.
A floresta, sombria, verde-negrejava
à luz falta de uma lua minguada.
Nas árvores tombadas de pouco
pelos dentes ocos do tempo,
ressurgia a memória, impressa
na pesada atmosfera plúmbea,
de outros gigantes já adormecidos.
Efusões anímicas
espalhavam, na imensidão escarpada,
o espectro da morte,
eterna nigérrima viúva
em busca de um cônjuge,
alguém que a faça parir
suas histórias de dor e vilipêndio.
E a serra, em sua compleição obtusa,
furava o céu espesso de nuvens
(nuvens qual bando de corvos),
visando à dimensão última
das derradeiras virtudes
e dos vícios remanescentes.
O cálice de sangue entornado
engendrou preto coágulo
(e este consumiu o último fio de luz).