Poema obscuro

Eram as horas de má sorte.

Os ventos glaciais traziam

vapores de eras sepultas.

Sombras se arrastavam

pela superfície fria e úmida do lodo.

A floresta, sombria, verde-negrejava

à luz falta de uma lua minguada.

Nas árvores tombadas de pouco

pelos dentes ocos do tempo,

ressurgia a memória, impressa

na pesada atmosfera plúmbea,

de outros gigantes já adormecidos.

Efusões anímicas

espalhavam, na imensidão escarpada,

o espectro da morte,

eterna nigérrima viúva

em busca de um cônjuge,

alguém que a faça parir

suas histórias de dor e vilipêndio.

E a serra, em sua compleição obtusa,

furava o céu espesso de nuvens

(nuvens qual bando de corvos),

visando à dimensão última

das derradeiras virtudes

e dos vícios remanescentes.

O cálice de sangue entornado

engendrou preto coágulo

(e este consumiu o último fio de luz).

Daniel Afonso
Enviado por Daniel Afonso em 22/03/2010
Código do texto: T2151920
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