Umas Mãos

Mãos velhas como a humanidade,

velhas como o calor dos raios de sol,

antigas qual pedras

que calçam as ruas

e os becos da cidade anciã.

Mãos que sentiram o morno

de muitas outras mãos,

o quente do leite recém-ordenhado,

servido na caneca de metal,

o fervendo dos tachos de doces,

mexidos com colheres de pau.

Mãos suadas na ansiedade da espera

da hora de dizer a lição.

Mãos molhadas de infinitas lágrimas

de criança mal-amada.

Mãos úmidas do orvalho

retido nas folhas das plantas

e misturado aos torrões de terra.

Mãos doídas da palmatória,

esfoladas de esfregar roupas,

feridas de comprimir o peito,

buscando calar a angústia de menina pobre.

Pele foi-se afinando

e tornado-se lisa e luzidia.

Dedos afilaram-se.

Unhas sulcadas e baças.

É que a vida foi deixando para trás.

Nas folhas e folhas que daquelas mãos saíram,

não de poesias simplesmente,

mas de anos-poesias.

Cora Coralina,

na impossibilidade de transcrever

seus séculos de sensibilidade,

facultou-nos sua própria matéria corporal,

a ver se dela conseguimos extrair

o mesmo mundo, realista e fantástico,

que encheu dias e sonhos

de Aninha.

Daniel Afonso
Enviado por Daniel Afonso em 21/03/2010
Código do texto: T2150258
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