Umas Mãos
Mãos velhas como a humanidade,
velhas como o calor dos raios de sol,
antigas qual pedras
que calçam as ruas
e os becos da cidade anciã.
Mãos que sentiram o morno
de muitas outras mãos,
o quente do leite recém-ordenhado,
servido na caneca de metal,
o fervendo dos tachos de doces,
mexidos com colheres de pau.
Mãos suadas na ansiedade da espera
da hora de dizer a lição.
Mãos molhadas de infinitas lágrimas
de criança mal-amada.
Mãos úmidas do orvalho
retido nas folhas das plantas
e misturado aos torrões de terra.
Mãos doídas da palmatória,
esfoladas de esfregar roupas,
feridas de comprimir o peito,
buscando calar a angústia de menina pobre.
Pele foi-se afinando
e tornado-se lisa e luzidia.
Dedos afilaram-se.
Unhas sulcadas e baças.
É que a vida foi deixando para trás.
Nas folhas e folhas que daquelas mãos saíram,
não de poesias simplesmente,
mas de anos-poesias.
Cora Coralina,
na impossibilidade de transcrever
seus séculos de sensibilidade,
facultou-nos sua própria matéria corporal,
a ver se dela conseguimos extrair
o mesmo mundo, realista e fantástico,
que encheu dias e sonhos
de Aninha.