Nona Sinfonia

A Ludwig van Beethoven

O dia é de sol,

mas por que estou triste?

É tempo de fins e novos começos.

A vida se agita,

porém, não consegue irromper.

Por que esta melancolia?

Acordes incisivos cutucam

as feridas da alma.

Jorra água de veias rotas

e um gosto de sangue umedece a boca.

Por que estou triste?

Tristeza indefinida,

intuída mais que meditada,

porto último da nau da história.

O suor molha a fronte, membros

e cabelos.

O deleite de zombar da face ossuda

da morte.

A soberba de desesperar diante da face piedosa

de Deus.

Por que a tristeza?

Vou tentar compor uma sinfonia.

Quem sabe esta angústia não se emaranhe

nas notas e alivie-se-me o peito?

Só eu sinto essa tristeza?

Talvez outros não a confessem

ou, na atribulação de suas vidas,

sequer a percebam.

Aspiro ao sono sem sonhos,

que não é a morte,

todavia, um torpor inconsciente,

o sono após a fadiga de um dia,

ou de um viver,

ou de todos os viveres.

A fadiga da consciência,

o cansaço de pertencer à espécie humana,

o enfado de nascer, labutar e voltar ao pó.

Quero que se apaguem os olhos da corujas,

espreitando a escuridão,

na aguarda de obscuras acontecências.

Desejo se calem os pardais,

desta terra já sem palmeiras e sabiás,

anunciadores de um novo dia,

novo apenas pela sucessão cronológica.

Quero que parem os ponteiros

desse relógio ilógico do mundo,

que anda sem sair do lugar.

Por que estou triste?

O solo que pisamos

já não tem mais lugar para covas.

Não nascem nele mais roseiras,

somente cardos.

Não existem mais dias de céu azul,

mas, quando muito, horas de céu azul,

nos intervalos do negrume de chuvas,

estas que também não vêm mais.

Por que estou triste?

É a tristeza transmitida dos ancestrais

à noite, às horas vagas da noite.

União de irreconciliáveis:

a mais profunda melancolia

e a beleza mais perfeita.

Haja coração para amar!

Haja olhos para testemunhar!

Haja alma para arrepiar-se!

O mistério dos sublimes sentimentos.

Haja mente para um tal ritmo

e intensidade de recordações.

Por que estou triste?

Quiçá tenha descoberto minha pequenez:

mísero átomo em um mundo gigantesco.

Não vou mais ficar triste.

As lágrimas secam.

E as pálpebras finalmente se fecham.

Daniel Afonso
Enviado por Daniel Afonso em 20/03/2010
Código do texto: T2148472
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