Silêncio
Anseio pelo silêncio, tranqüilo e plano
como a consciência de um geômetra euclidiano.
Silêncio de uma oração nos lábios
[que se contorcem
ao ouvir os disparos de morte.
Silêncio de uma vela queimando,
qual vida minguando
entre invocações e lamúrias num leito de enfermo.
Silêncio como o de um sino repicando
na pequena igreja de recanto ermo,
onde todos os ouvidos já escutam apenas
eternos réquiens de paragens serenas.
Silêncio como o de formas indistintas
de sombras em mares de tinta,
sem que qualquer objeto lhes sirva de molde,
após o sol ter-se posto pela vez derradeira.
Silêncio de um bando de andorinhas
fugindo do inverno quando já não existem mais
norte e sul, nascente e ocaso,
mas sim o mero acaso
de uma colina verdiloqüente,
povoada de predadores.
Silêncio de areias correndo pelas ampulhetas
místicas de vertentes retas,
como sangue circulando por veias
de um espaço-tempo com torneira aberta.
Silêncio de uma nova confusão de línguas,
em que também se deixem de compreender
os olhares, gestos e afetos,
isolando de vez o homem de seu destino funesto
de com outros precisar se identificar.
O silêncio ao qual aspiro é o de poema
que se oculta entre as pétalas cerradas
[de uma flor.
Enclausurado durante o dia,
respirando somente à noite, nas horas mortas,
nas horas em que se vive nos sonhos,
em que pesa a face lívida e taciturna
[de um fantasma.