Silêncio

Anseio pelo silêncio, tranqüilo e plano

como a consciência de um geômetra euclidiano.

Silêncio de uma oração nos lábios

[que se contorcem

ao ouvir os disparos de morte.

Silêncio de uma vela queimando,

qual vida minguando

entre invocações e lamúrias num leito de enfermo.

Silêncio como o de um sino repicando

na pequena igreja de recanto ermo,

onde todos os ouvidos já escutam apenas

eternos réquiens de paragens serenas.

Silêncio como o de formas indistintas

de sombras em mares de tinta,

sem que qualquer objeto lhes sirva de molde,

após o sol ter-se posto pela vez derradeira.

Silêncio de um bando de andorinhas

fugindo do inverno quando já não existem mais

norte e sul, nascente e ocaso,

mas sim o mero acaso

de uma colina verdiloqüente,

povoada de predadores.

Silêncio de areias correndo pelas ampulhetas

místicas de vertentes retas,

como sangue circulando por veias

de um espaço-tempo com torneira aberta.

Silêncio de uma nova confusão de línguas,

em que também se deixem de compreender

os olhares, gestos e afetos,

isolando de vez o homem de seu destino funesto

de com outros precisar se identificar.

O silêncio ao qual aspiro é o de poema

que se oculta entre as pétalas cerradas

[de uma flor.

Enclausurado durante o dia,

respirando somente à noite, nas horas mortas,

nas horas em que se vive nos sonhos,

em que pesa a face lívida e taciturna

[de um fantasma.

Daniel Afonso
Enviado por Daniel Afonso em 20/03/2010
Código do texto: T2148462
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