Miserere
O homem se aproxima do altar,
que é do São Judas das causas impossíveis;
os olhos injetados,
não se sabe se da vigília penosa
ou da comoção que o acompanhara desde casa.
Sobe os poucos degraus com a dificuldade
de corpo e alma pesados,
ajoelha-se e mantém baixa a fronte,
como se desejasse colocá-la mais perto
do coração.
Ergue subitamente a cabeça,
ingurgitados os vasos das têmporas,
à maneira de conter a angústia em que a alma
[se esvaía.
Encara um Cristo cabisbaixo,
subjugado pelas dores do martírio,
contemplando a própria ferida aberta no peito.
Uma brisa fortuita sacode a chama
de uma das velas, projetando a sombra
[do crucifixo
sobre aquela alma em farrapos,
que contrita se ajoelhava.
O som distante de um órgão
chegava, naquele instante,
gasto da distância, porém, permitindo reconhecer
o "Miserere".
O homem afronta novamente o Cristo,
que, talvez influenciado pelos acordes
[que afluíam,
parecia esquecer momentaneamente a própria
[amargura,
e, ratificando a oração derradeira,
derramava sangue e perdão pelo mundo inteiro.
Os lábios do homem principiam a tremer.
Aos poucos, uma prece se vai fazendo,
em voz ciciosa, abrindo-se as mãos inseguras,
como o botão de rosa que ornava um dos cantos
[da capela.
O sussurro era por demais débil
para que se tivesse a pretensão de entender,
o sofrimento por demais vivo
para que se desrespeitasse a solidão
[que o acolhera.
O Cristo, no entanto,
com o coração aberto e o sangue ainda rutilante,
pôde violar aquele coração pequenino
que vinha atirar-se-lhe aos pés.
Coração, como todos, mesquinho
nas demonstrações de afeto,
grandioso no infortúnio.
E as palmas das mãos daquele homem
eram diminutas frente aos mananciais dos olhos.
Foram somente uns poucos segundos,
que ficaram gravados
nas pedras do templo,
onde Deus escreve com as lágrimas dos seus fiéis
(mais abundantes que o fogo que gravou as leis).
Logo o homem se levanta,
persigna-se e volta sobre os próprios passos.
A música prosseguia, agora acompanhada pelo coral,
ressoando por todas as colunas da igreja
e calando no altar.
No mesmo altar de Judas Tadeu,
em que, ainda há pouco,
um homem transfigurara sua dor
diante de um Cristo compassivo.