Dias plúmbeos

Tons cinéreos de dias chuvosos,

de uma meia-escuridão fria,

de raios fugidios de sol.

Dias tristes, de imobilidade,

de circunspecção;

horas melindrosas de relógios

de que o cuco teima em não sair.

Árvores de cabeleiras desfeitas

pela travessura de ventos,

que hoje correm mais livres.

Ar pesado, arquejante,

contaminado pela melancolia

densa suspirada pelos seres.

Umidade atmosférica,

sentida em calos e reumatismos,

farejada por animais,

vivida e reproduzida voluptuosamente

no mofo de velhos guarda-roupas.

Frialdade orgânica

e metafísica da terra.

Friagem que desce a serra

e vem pacificar os corações

nos vales.

Frigidez feminina da natureza,

menopausa da vida,

definitiva cessação dos lóquios.

Dias frios e noturnos

como uma suíte de Bach.

Dias turvos e exangues,

como a chuva ácida

que a fumaça faz derramar.

Dias de guarda-chuvas

em bolsas, em braços,

em bancos (esquecidos).

Dias de casacos

atados às cinturas ou vestidos,

nos espaldares das cadeiras

(esquecidos).

Dias nublados

de chás, cafés, leite quente.

Dias de comidas que esfriam

no prato.

Dias de violência,

de ventos que sacodem e batem

janelas e portas

e esparramam papéis.

Que fazer num dia assim?

Melhor compor um poema.

Daniel Afonso
Enviado por Daniel Afonso em 17/03/2010
Código do texto: T2143547
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