Dias plúmbeos
Tons cinéreos de dias chuvosos,
de uma meia-escuridão fria,
de raios fugidios de sol.
Dias tristes, de imobilidade,
de circunspecção;
horas melindrosas de relógios
de que o cuco teima em não sair.
Árvores de cabeleiras desfeitas
pela travessura de ventos,
que hoje correm mais livres.
Ar pesado, arquejante,
contaminado pela melancolia
densa suspirada pelos seres.
Umidade atmosférica,
sentida em calos e reumatismos,
farejada por animais,
vivida e reproduzida voluptuosamente
no mofo de velhos guarda-roupas.
Frialdade orgânica
e metafísica da terra.
Friagem que desce a serra
e vem pacificar os corações
nos vales.
Frigidez feminina da natureza,
menopausa da vida,
definitiva cessação dos lóquios.
Dias frios e noturnos
como uma suíte de Bach.
Dias turvos e exangues,
como a chuva ácida
que a fumaça faz derramar.
Dias de guarda-chuvas
em bolsas, em braços,
em bancos (esquecidos).
Dias de casacos
atados às cinturas ou vestidos,
nos espaldares das cadeiras
(esquecidos).
Dias nublados
de chás, cafés, leite quente.
Dias de comidas que esfriam
no prato.
Dias de violência,
de ventos que sacodem e batem
janelas e portas
e esparramam papéis.
Que fazer num dia assim?
Melhor compor um poema.