[Na Tocaia do Olhar]
Hoje pela manhã,
amarga constatação...
Ainda outro dia,
lá na Fazenda Barreirão,
fundos e mundos de Minas,
ali, bem na frente da sede,
eu era Dom Quixote...
Pacientemente, enquanto
eu sonhava outros mundos,
eu ia arreando o meu cavalo castanho;
ajustava o baixeiro sob o arreio,
as correias dos estribos, o freio,
apertava com jeito a barrigueira.
Pé no estribo de latão, o olhar esquecido
na lonjura das invernadas, e lá ia eu a cavalgar,
sem pressa, sem rumo certo... mas no rumo do rio.
O escudeiro? Tinha nenhum, mas tinha
a companhia do Peri, fiel cão boiadeiro.
Mas hoje de manhã - traição do meu olhar:
olhei ao longe os morros que levam para Minas,
vi o gado branco... pontinhos de nelore no horizonte,
e então... travo seco na garganta - agora,
corridos os anos, as distâncias, sou sim,
Dom Quixote em vésperas de morte;
a aridez, o deserto da Razão recuperada,
ou, finalmente perdida?!
Agora, submisso aos ditames do tempo-ser,
eu é que me arreio, lentamente, enquanto
vou mascando o gosto da morte próxima,
o batente-de-fim-de-linha chegando...
Sim, arreio-me, meticulosamente assim:
Canetas no bolso da camisa branca,
chaves do carro, telefone celular,
carteira no bolso da perna esquerda;
corro e ato as peias do emprego
que pagou-me as contas, mas escureceu
o meu olhar, tirou-me a vida...
[Quem mandou-me estar desatento
às tocaias que o meu olhar arma?!]
[Penas do Desterro, 09h09 de 16 de março de 2010]