Mar
Difícil o poeta
que nada tenha escrito sobre o mar.
Talvez que o sintamos
como parte de nós mesmos:
também ele infinito,
também ele desconhecido,
também ele contraditório
(em seus paroxismos de gigantescas ondas
alternando-se com calmarias).
O mar do qual quiçá se tenha erguido
um de nossos remotos ancestrais.
O mar ao qual tornaram tantos
e tantos náufragos
que o tentaram abraçar
(num momento de desespero),
desaparecendo nos enormes braços de água,
reencontro inesperado com as matrizes da vida.
O mar que povoa nossas lendas,
romances, aventuras.
Mar que se fez preciso navegar
e através de quem os continentes
se coseram novamente
na mítica Pangea.
Mar dos monstros horripilantes e letais,
que Posêidon, algumas vezes,
recebia ordem de libertar.
Mar que se profetizou viraria sertão,
escoando para o leito vazio
onde a natureza morta
e as caveiras de boi
o aguardam para a concretização
do dito apocalíptico.
Mar que corre nas veias,
que escorre nas lágrimas,
que goteja no suor.
Mar que é vida e que é morte,
recriando dialeticamente a humanidade.
Mar que jorrou do peito ferido de lança
de um Cristo agonizante,
celebrando a união de céu e terra,
dando aos homens a visão transfigurada
do porvir, em suas desilusões
e esperanças.
Mar, árbitro da paixão humana;
quantos amantes, por todo o sempre, separados!
Mar, força bruta,
violentando a terra,
resguardando e renovando
a eternidade e potência dos elementos.
Mar.
Dá-nos um pouco do teu sal:
cristais diminutos
nos quais pulsam universos inteiros
que em ti se precipitam,
atraídos por teu canto de sereia,
para serem fecundados pelas águas seminais.
Molha-nos com teus fluidos vivificantes,
que o coração desejamos sentir bater outra vez.
E quando alguém desejar ver Deus,
busque-o não nos céus cataclísmicos,
porém, no fundo das águas,
de cuja espuma brotam, todos os dias,
Vênus de todas as raças
e de todas as perfeições.