Reminiscências
Vem-me à cabeça a ponte,
o pequeno pontilhão construído sobre um dos canais
[da lagoa.
Sobre ela, tirávamos fotografias.
Ao fundo, a lagoa de águas turvas,
que fingíamos ser de águas azuis e cristalinas,
com vários pequenos arco-íris engendrando-se
[em sua superfície.
A lagoa cujo brilho é revelado
nos olhos do menino que vive em minhas lembranças.
De onde os zéfiros extraíam, ao suave toque,
acordes que os ouvidos já esqueceram,
mas que a alma entoa com afinação.
E, se a lagoa era pouco pródiga em peixes,
sem dúvida alimentou muitas vidas
de meninos e avós que vinham passear
[em suas margens.
Margens! Meu coração as quer
bastante amplas. A lagoa é um oceano.
Nesse oceano meu particular e de tantos outros,
pululam seres de todas as formas, cores,
movimentos. E coabitam harmoniosamente:
a teia alimentar se faz mero exercício de ficção.
Esse era o lugar legendário;
uma coleção de águas formada
na boca de extinto vulcão
(que eu depois soube situar-se a alguma distância
[dali).
E, permitindo-me a proximidade
do ente querido, lá estava a ponte rústica.
Sob ela, as águas fluíam em silêncio
[quase fúnebre.
Eu, entretanto, sentia-lhes o redemoinho,
como um frio familiar, alentador, no estômago.
Lançava farelo de pão
a patos e cisnes que só eu via.
Que profundidade teria?
Seria o bastante para abrigar um monstro abissal?
Mergulhei em suas águas,
cada vez mais fundo,
os raios do sol já não podiam ver-se.
Mais embaixo, vejo uma pequenina luz.
Ela cresce, aumenta, agiganta-se.
Emergindo desse oceano de reminiscências,
encontro a mim mesmo.
E, a seguir, fragmento-me,
penetrando cada detalhe de tal mundo encantado.