Reminiscências

Vem-me à cabeça a ponte,

o pequeno pontilhão construído sobre um dos canais

[da lagoa.

Sobre ela, tirávamos fotografias.

Ao fundo, a lagoa de águas turvas,

que fingíamos ser de águas azuis e cristalinas,

com vários pequenos arco-íris engendrando-se

[em sua superfície.

A lagoa cujo brilho é revelado

nos olhos do menino que vive em minhas lembranças.

De onde os zéfiros extraíam, ao suave toque,

acordes que os ouvidos já esqueceram,

mas que a alma entoa com afinação.

E, se a lagoa era pouco pródiga em peixes,

sem dúvida alimentou muitas vidas

de meninos e avós que vinham passear

[em suas margens.

Margens! Meu coração as quer

bastante amplas. A lagoa é um oceano.

Nesse oceano meu particular e de tantos outros,

pululam seres de todas as formas, cores,

movimentos. E coabitam harmoniosamente:

a teia alimentar se faz mero exercício de ficção.

Esse era o lugar legendário;

uma coleção de águas formada

na boca de extinto vulcão

(que eu depois soube situar-se a alguma distância

[dali).

E, permitindo-me a proximidade

do ente querido, lá estava a ponte rústica.

Sob ela, as águas fluíam em silêncio

[quase fúnebre.

Eu, entretanto, sentia-lhes o redemoinho,

como um frio familiar, alentador, no estômago.

Lançava farelo de pão

a patos e cisnes que só eu via.

Que profundidade teria?

Seria o bastante para abrigar um monstro abissal?

Mergulhei em suas águas,

cada vez mais fundo,

os raios do sol já não podiam ver-se.

Mais embaixo, vejo uma pequenina luz.

Ela cresce, aumenta, agiganta-se.

Emergindo desse oceano de reminiscências,

encontro a mim mesmo.

E, a seguir, fragmento-me,

penetrando cada detalhe de tal mundo encantado.

Daniel Afonso
Enviado por Daniel Afonso em 15/03/2010
Código do texto: T2139572
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