Desrazão

Fugiu do hospício o pobre.

Que, de tanto ficar trancafiado,

libertou de vez o espírito.

Fugiu a ver se o ainda alcançava.

Escapou o espírito demente,

sobrou o homem demenciado,

que vasculha céus e terras,

desce ao Tártaro e ao lodo

e escala as aquilinas altitudes.

Fugiu porque, ficando, tanto tempo,

só consigo mesmo,

descobriu que lhe falavam

seus botões e de botões

de rosas contavam em versos.

Segredaram-lhe aranhas,

hábeis tecedeiras,

que ele toda a vida passara

fiando, medindo e cortando

o próprio fio da vida.

Apercebeu-se de que tudo é convenção:

tanto faz mar ou terra ou ar;

sobremesa, almoço ou jantar.

Razão ou loucura é apenas questão

de a quem toca observar.

Fugiu do manicômio o rico,

que de seus muitos bens desejava se despojar,

legando os andrajos ao algoz,

os sapatos a quem o vinha sobrepisar,

a alma ao infinito,

o corpo ao mar.

Daniel Afonso
Enviado por Daniel Afonso em 14/03/2010
Código do texto: T2137596
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