Desrazão
Fugiu do hospício o pobre.
Que, de tanto ficar trancafiado,
libertou de vez o espírito.
Fugiu a ver se o ainda alcançava.
Escapou o espírito demente,
sobrou o homem demenciado,
que vasculha céus e terras,
desce ao Tártaro e ao lodo
e escala as aquilinas altitudes.
Fugiu porque, ficando, tanto tempo,
só consigo mesmo,
descobriu que lhe falavam
seus botões e de botões
de rosas contavam em versos.
Segredaram-lhe aranhas,
hábeis tecedeiras,
que ele toda a vida passara
fiando, medindo e cortando
o próprio fio da vida.
Apercebeu-se de que tudo é convenção:
tanto faz mar ou terra ou ar;
sobremesa, almoço ou jantar.
Razão ou loucura é apenas questão
de a quem toca observar.
Fugiu do manicômio o rico,
que de seus muitos bens desejava se despojar,
legando os andrajos ao algoz,
os sapatos a quem o vinha sobrepisar,
a alma ao infinito,
o corpo ao mar.