Espelho

De manhã.

O espelho espera para refletir,

por um infinitésimo do tempo

que é a dor da vida,

a face que é uma das muitas

as quais trago comigo.

As feições surgem decompostas;

lágrimas, sorrisos, pasmos

se confundem.

A rigidez da morte,

a angústia da primeira respiração,

a incerteza que preenche

todas as pausas volúveis entre as duas fixas.

Já não há feição humana.

O que, do espelho, emerge

é um reflexo frio de luz branca,

hesitante como a vida

quando atinge seus vértices.

O relógio chama às responsabilidades.

Rapidamente faço a barba

da imagem no fundo do espelho.

A que é viva,

posto seja meu reverso.

Embaça-se a superfície especular.

Penetro no mundo detrás do espelho.

Replico-me aos milhares,

para dar conta das centenas

de homens que tenho dentro de mim,

cada qual frente a um espelho.

Daniel Afonso
Enviado por Daniel Afonso em 14/03/2010
Código do texto: T2137587
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