Espelho
De manhã.
O espelho espera para refletir,
por um infinitésimo do tempo
que é a dor da vida,
a face que é uma das muitas
as quais trago comigo.
As feições surgem decompostas;
lágrimas, sorrisos, pasmos
se confundem.
A rigidez da morte,
a angústia da primeira respiração,
a incerteza que preenche
todas as pausas volúveis entre as duas fixas.
Já não há feição humana.
O que, do espelho, emerge
é um reflexo frio de luz branca,
hesitante como a vida
quando atinge seus vértices.
O relógio chama às responsabilidades.
Rapidamente faço a barba
da imagem no fundo do espelho.
A que é viva,
posto seja meu reverso.
Embaça-se a superfície especular.
Penetro no mundo detrás do espelho.
Replico-me aos milhares,
para dar conta das centenas
de homens que tenho dentro de mim,
cada qual frente a um espelho.