Nostalgia

Em meio a colinas cansadas

do embate dos ventos e dos solares raios

por muitos séculos a fio,

próximo ao bosque de árvores centenárias,

destaca-se uma casa de fazenda.

A porteira é de madeira velha,

já comida pelos cupins.

O caminho entre a casa e a porteira

deixou de haver, coberto pelo mato

em altas moitas.

O casaréu atravessou décadas,

a vegetação sobe pelas escadas

e quase entra pela porta,

convidada pelo tempo.

Portas adentro, o ambiente cheira a mofo,

cheira a antigo, cheira a café

preparado no fogo de lenha.

O café que foi servido, há muitos anos,

no velório do derradeiro na linhagem

[de proprietários.

Os móveis restantes estão cobertos por lençóis

e as paredes, por teias.

Range a madeira ao ser calcada por humanos pés

depois de um silêncio de vários lustros.

Clamam vozes surdas

de muitas gerações que habitaram aquela casa.

Toca, inaudível, o piano

as melodias ensaiadas por quantas e quantas mãos

de moças nascidas e vividas ali.

A cadeira de balanço oscila,

impulsionada por orações

em sussurros femininos,

seguidas no rosário de contas de madeira.

Pelos quartos, ruídos vários;

choros de quem chega ao mundo

e que o relógio da vida converte

em lamentações de moribundos.

Tanto o ressonar de quem dorme

após um dia rural,

como o de quem dormiu

para nunca mais despertar.

Fotografias em preto e branco

de pessoas que ora não têm mais cor.

Lembranças de familiares que desapareceram

até mesmo da memória de seus descendentes.

Visitamos, por fim, a cozinha.

Os velhos tachos de cobre,

ao lado de suas sempre colheres de pau.

A amargura de uma existência, que se continua

quando todas as que lhe faziam companhia

já se extinguiram,

substitui o doce das guloseimas que hoje ninguém

sabe preparar.

No fogão a lenha, arde ainda

uma chama frágil,

último vestígio de uma época

que se foi e só deixou,

em alguns corações mais antigos

(antigos não pela longevidade, todavia,

pelo modo de sentir e amar),

a saudade incurável.

Daniel Afonso
Enviado por Daniel Afonso em 13/03/2010
Código do texto: T2135798
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