Nostalgia
Em meio a colinas cansadas
do embate dos ventos e dos solares raios
por muitos séculos a fio,
próximo ao bosque de árvores centenárias,
destaca-se uma casa de fazenda.
A porteira é de madeira velha,
já comida pelos cupins.
O caminho entre a casa e a porteira
deixou de haver, coberto pelo mato
em altas moitas.
O casaréu atravessou décadas,
a vegetação sobe pelas escadas
e quase entra pela porta,
convidada pelo tempo.
Portas adentro, o ambiente cheira a mofo,
cheira a antigo, cheira a café
preparado no fogo de lenha.
O café que foi servido, há muitos anos,
no velório do derradeiro na linhagem
[de proprietários.
Os móveis restantes estão cobertos por lençóis
e as paredes, por teias.
Range a madeira ao ser calcada por humanos pés
depois de um silêncio de vários lustros.
Clamam vozes surdas
de muitas gerações que habitaram aquela casa.
Toca, inaudível, o piano
as melodias ensaiadas por quantas e quantas mãos
de moças nascidas e vividas ali.
A cadeira de balanço oscila,
impulsionada por orações
em sussurros femininos,
seguidas no rosário de contas de madeira.
Pelos quartos, ruídos vários;
choros de quem chega ao mundo
e que o relógio da vida converte
em lamentações de moribundos.
Tanto o ressonar de quem dorme
após um dia rural,
como o de quem dormiu
para nunca mais despertar.
Fotografias em preto e branco
de pessoas que ora não têm mais cor.
Lembranças de familiares que desapareceram
até mesmo da memória de seus descendentes.
Visitamos, por fim, a cozinha.
Os velhos tachos de cobre,
ao lado de suas sempre colheres de pau.
A amargura de uma existência, que se continua
quando todas as que lhe faziam companhia
já se extinguiram,
substitui o doce das guloseimas que hoje ninguém
sabe preparar.
No fogão a lenha, arde ainda
uma chama frágil,
último vestígio de uma época
que se foi e só deixou,
em alguns corações mais antigos
(antigos não pela longevidade, todavia,
pelo modo de sentir e amar),
a saudade incurável.