Decadência
- Cadê a melodia que, na viola, tocavas?
- A moda cá está no coração e, se não chora mais
a viola, é que agora tenho reumatismo na mão.
- E as xácaras que, nas noites frias, narravas?
- Estas, cá as tenho de memória e, se ora te
[parecem
fugidias, é que minha voz rouca já não faz glória.
- E os rosários cantados, as festas de reis?
- Destes tenho saudade e, se, hoje em dia, não
[têm
vez, é que a velho tossegoso ninguém aplaude.
- E o bom bate-papo, tendo a caninha por guardiã?
- E quer ouvir mágoa de idoso essa gente louçã?
[Ademais
uma cirrose me impede de na aguardente pôr gosto.
- E as estórias de onça, as peripécias que de ti
[se diziam?
- Meu filho, aprenda uma coisa: a bichona tem medo
da juventude néscia, não de um leso na moita.
- Mas, se até lupanares freqüentavas!
- As senhoritas d’então se celebraram todas em
[altares
de sétimo dia. Além do que, quem gosta de velho é solidão.
- Com certeza, o caminho do eito não enfias?
- Não, que me dói o peito. Este homem de agora, que a vida empenhou na dura lida, vê vencer a hipoteca sem a poder
resgatar com suas minguadas aposentadorias.
- Que fazes destarte, ó caro amigo?
- Vou vindo nesta transição entre a vida e da morte
o baluarte, a passo coxo, porém, certo, para o último jazigo.